A beleza dos ciclos celestes

clima nas regiões tropicais é um relógio: chove no verão e o auge da seca é sempre no inverno. Ele não é caótico, nem é essa incerteza toda apregoada por alguns. Aproxima-se o equinócio de primavera, em 22 de setembro. Será o fim do inverno e da estação seca, tanto aqui como no Peru, na Namíbia, em Moçambique ou Timor. Se nos trópicos o máximo das chuvas é sempre no verão, em climas temperados chove no inverno. O povoador português trouxe a expressão “inverno”, como sinônimo do tempo das chuvas. No Nordeste e em outras regiões, quando os agricultores falam do “inverno”, da estação chuvosa, eles estão falando do verão.

Mesmo nos cenários mais catastróficos, projetados por “especialistas” sobre o futuro do clima no planeta, ninguém chegou a ponto de sugerir mudanças no regime das chuvas ou nas estações. A dinâmica física da atmosfera é colocada em ação por quantidades colossais de energia solar e sua absorção, principalmente pelos oceanos. A Terra tem quatro estações pelo fato de seu eixo de rotação ser inclinado 23 graus e 27 minutos em relação ao plano eclíptico, o de sua translação em torno do Sol, e se manter paralelo a si mesmo ao longo do ano. Se o eixo de rotação fosse perpendicular, não haveria estações. Apenas um gradiente de calor entre o equador e os polos.

Flutuações e riscos climáticos fazem parte do cotidiano do mundo rural em todo o planeta. Com tecnologias e inovações da pesquisa agropecuária, produtor e produção estão cada vez mais resilientes e adaptados diante dos humores climáticos. Se “clima” do ano reduz o tempo ou a janela de plantio, máquinas modernas permitem semear rapidamente e com precisão. Se temperatura e umidade favorecem fungos, existem defensivos adequados para controlar a situação, sem quebra na produção. Novas variedades de cereais e leguminosas são mais resistentes a veranicos e seca. Sua fisiologia é mais eficiente no uso da água e possuem um enraizamento profundo. E o controle eficaz das ervas pelo produtor ajuda a conservar a água.

São muitas novas tecnologias para reduzir o risco climático na agricultura de sequeiro, sem falar da irrigação, estufas e outros ambientes controlados de produção. Mesmo se recorrer a essas tecnologias pode aumentar o custo de produção, não cabe ser fatalista ante as flutuações climáticas. Com práticas do neolítico, como defendem alguns, a agricultura não enfrentará as incertezas climáticas. Cabe, sim, agir com tecnologias, ciência e consciência.

Estrutura de estufa para a produção de morangos orgânicos no sul do Brasil | Foto: Xico Putini/Shutterstock

A meteorologia ou o “tempo” de cada ano nunca é favorável ou desfavorável a todos os cultivos. O verão e o outono mais secos no Sul e Sudeste neste ano prejudicaram os grãos, em particular o milho safrinha. Mas favoreceram uma produtividade excepcional nos arrozais irrigados do Rio Grande do Sul e uma grande qualidade na produção de flores, por exemplo.

Tecnologias, inovações e conhecimentos são sinônimos de capacidade de enfrentar as incertezas climáticas. Terrorismo climático não ajuda. Os produtores precisam de soluções tecnológicas concretas e viáveis no curto prazo. Os cientistas e a pesquisa agropecuária devem se aplicar em gerar mais alternativas tecnológicas para mitigar os riscos climáticos. E não apenas simular hipóteses climáticas, inverificáveis para daqui 50 anos.

Plantação de crisântemo, em Holambra | Foto: Roberta Blonkowski/Shutterstock

Os produtores ajudarão a salvar o planeta para as gerações futuras, mas como salvar a próxima safra? Farão o possível para garantir temperaturas amenas em praias e cidades no século 22, mas como enfrentar o risco climático hoje? Nesta primavera devem apostar em variedades de ciclo curto ou longo? Devem gastar mais em máquinas, informatização ou genética para enfrentar o álea climático? Como a meteorologia prevê a próxima primavera?

No 22 de setembro, equinócio, faça chuva ou faça sol, o dia durará 12 horas. E a noite também. No Brasil, Europa, Austrália, Japão, Canadá e Polo Sul. Em todo o planeta. Equinócio vem do latim aequinoctĭu, a igualdade dos dias e das noites. Todo dia, o Sol nasce a leste e se põe a oeste. No equinócio, ele nasce no leste. Exatamente no ponto cardeal leste. E se põe no ponto cardeal oeste. Bom para calibrar bússolas! Apontem para a Oeste.

Nesse dia, o Sol a pino traçará no solo a linha do equador. Postes não terão sombra ao meio-dia na região equatorial, como em Macapá. Ali será possível ver o disco solar no fundo de um poço ao meio-dia, algo impossível em Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, onde o Sol nunca vai a pino. Por seis meses, ele esteve a pino na zona tropical do Hemisfério Norte, deslocou-se para o Trópico de Câncer e retornou ao equador. Do equinócio em diante, ele se deslocará para o Sul até o solstício de verão no final de dezembro, no Natal.

Sol nascendo num campo de soja | Foto: Shutterstock

Para as civilizações do Hemisfério Norte, o equinócio de primavera era muito significativo. O ano babilônico, egípcio, grego e romano começava no equinócio de primavera boreal. Lá pelo 20 ou 21 de março. Para a tradição judaica, nesse dia, Deus criou o Universo. O dia da Criação ou do Big Bang.

Que Jesus nasceu um dia, ninguém nega. Para fixar e festejar a data, com os ciclos cósmicos, a Igreja ficou em 25 de março, no equinócio de primavera boreal, a anunciação e a concepção de Maria. O dia da Nova Criação. Nove meses depois, nasceu Jesus, em pleno solstício. A Rua 25 de Março, centro comercial paulistano, relembra a Imaculada Conceição e a criação legal do Brasil, em 1824, quando Dom Pedro I outorgou a primeira Constituição.

Podem-se plantar árvores o ano todo. Na primavera, chuvas e luz ajudam

O cristianismo deslocou o início do ano do equinócio de primavera austral para o tempo da manifestação pública do Senhor: 1º de janeiro. Resultado: o mês 7, setembro, virou 9 no calendário. O mês 8, outubro, virou 10, e por aí vai. Em Portugal, o cristianismo foi mais longe. São Martinho de Dume, húngaro de nascimento, fecundo escritor e famoso bispo de Braga, por volta do ano 560, mudou o nome dos dias da semana. Seria indigno de cristãos chamar os dias por nomes pagãos: lunae dies, martis dies, mercurii dies… saturni dies e solis dies. São Martinho usou a terminologia eclesiástica para designá-los: segunda-feira, terça-feira… sexta-feira, sábado e domingo. O português foi a única língua latina a substituir a terminologia pagã pela cristã na semana. Sinal da profundidade e do alcance da cultura cristã em terras lusitanas. Até os nomes pagãos dos planetas São Martinho tentou cristianizar, sem o sucesso obtido nos dias da semana. Se conseguisse, onde teria parado o bispo de Braga? Mudando o nome de continentes, países… Vai saber.

O dia da árvore (e do fazendeiro) antecede o do equinócio de primavera. Lembra o tempo de plantar árvores, em cidades e fazendas. É comum promoverem plantios em campanhas escolares, municipais e empresariais no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Data importada. No hemisfério boreal, lá no Norte, é primavera. Faz sentido plantar árvores. Aqui não. As mudas sofrem com secas e queimadas. Poucas sobrevivem. Podem-se plantar árvores o ano todo. Na primavera, chuvas e luz ajudam.

A beleza dos ciclos celestes está no trabalho rural, ao cultivar a terra no ritmo da natureza. Um produtor japonês de Apiaí, São Paulo, certa vez me disse: “Na agricultura, todo ano é primeiro ano”. A cada ano, tudo recomeça. Boa safra o ano passado não garante nada neste ano. Como no Sol de Primavera, de Beto Guedes, as chuvas virão. Os produtores, como sempre, preparam máquinas, sementes e planejam. Deus ajuda quem cedo madruga. Face aos riscos e desastres climáticos, e até desta vida passageira, cabe recordar a orientação do regimento das naus portuguesas do século 16: “Prepara-te para o pior, espera o melhor e cuide do que vier”

Fonte: Evaristo de Mirada – chefe da Embrapa Territorial