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Agricultor, você daria Crédito ao seu Comprador?

A maior parte dos Agricultores, produtores de grãos, depende da concessão de crédito fornecido por terceiros. Nomeadamente, Bancos, Fornecedores de Insumos e Compradores (Tradings).

A disponibilidade do crédito para o custeio da produção tem variado muito nos últimos anos, respondendo basicamente aos efeitos causados por ciclos macroeconômicos de expansão ou retração, que abarcam uma infinidade de variáveis: (i) preços das commodities e fatores subjacentes; (ii) cambio internacional; (iii) taxa de juros doméstica e estrangeira; (iv) qualificações de risco; etc…

Nos últimos 10 anos, verificou-se um notável crescimento da participação de fornecedores de insumos e exportadores na composição do custeio, diminuindo sensivelmente a presença dos Bancos, seja pelo excesso de burocracia e morosidade que apresentam, seja pela falta de interesse do sistema financeiro de atuar mais ativamente no setor.

As práticas comerciais e financeiras que foram se consolidando nesse período literalmente deixarão de existir, o que causará um impacto dramático na estrutura do Agronegócio.

O excesso de liquidez e os preços altamente favoráveis da Soja, como se verificou entre 2011 e parte de 2014, deram azo a ações irresponsáveis e permissivas em relação ao crédito que desafiaram preceitos básicos de Economia. Essa conjuntura, possivelmente não voltará.

As correções ou ajustes necessários do sistema não são indolores e tampouco isentos de falhas.

Nessa altura do ano em que a colheita da Soja em diversas regiões já permite antever o volume real que estará sendo posto na Economia, surgem várias incertezas para quem costuma olhar um pouco além, que por hábito ou necessidade, nessa época costuma iniciar a construção de cenários para elaboração de uma estratégia para a próxima Safra.

Considerando a gravidade da inadimplência setorial que está levando à falência alguns Grupos tradicionais e a uma enxurrada de pedidos de Recuperação Judicial de centenas de Agricultores, puxando no reboque a várias Revendas e Industrias de Insumos, de que forma será possível obter crédito (prazo-safra) em condições economicamente aceitáveis daqui para frente?

O Governo que se encontra totalmente quebrado será a solução mágica?

Os Bancos Oficiais, igualmente exauridos, irão ampliar o volume de dinheiro para compensar uma redução, tida como mais do que certa, da presença dos fornecedores de insumos nas operações Prazo-Safra?

E as Tradings, estarão dispostas a suprir essa deficiência depois de uma história de disputas e quebras de contratos como os verificados em 2004/2005?

Estas são apenas algumas das inquietudes que me levam a pensar sobre o negocio agrícola em 2016 no Brasil. Tenho muitas outras dúvidas, as quais poderiam aborrecer aos que acreditam que na última hora “tudo se ajeita”.

“Bons resultados do passado, não são uma garantia de repetição para o futuro”. A conjuntura atual faz dessa frase quase que um Axioma da Física.

Há muito tempo que chamo a atenção de Clientes e Amigos do Agro para a necessidade de profissionalizarem a atividade do ponto de vista econômico-contábil-financeiro. Não basta apenas sermos bons da porteira pra dentro, auferindo ganhos de produtividade ano-a-ano, gerando benfeitorias na propriedade, circulando riquezas na economia regional, etc.

Cada vez mais, o produtor deverá conscientizar-se da necessidade de demonstrar “Governança” na gestão do seu negócio.

Desde a crise de 2008 que as principais Seguradoras de Crédito deixaram de dar cobertura para as Industrias ou para as Revendas de Insumos. Sabem a razão? Por que não se consegue visualizar com clareza o risco individual dos Agricultores, que são os principais clientes dessas empresas.

O fato de um Agricultor Profissional mover milhões de Reais por ano, deter um patrimônio milionário e não apresentar Demonstrações Contábeis coerentes com as normas exigidas, acarreta uma enorme incerteza por parte de quem tem a função de decidir ou não sobre a concessão de um crédito.

O mercado caminha a passos largos para a desintermediação dos processos, o que em certa medida é bom porque eliminam-se muitos custos agregados e aumenta-se a competitividade, porém essa conjuntura traz consigo um enorme desafio cultural e empresarial para o Agricultor Médio.

Alguém sabe o que significa a relação “Dívidas Líquidas/EBITDA”? Em termos simples, é um índice que demonstra a geração de caixa obtida nas operações para fazer frente às dívidas.

Cada vez mais, a visualização clara desse tipo de indicador será exigida no Agro. De que forma, um Analista de Crédito poderia avaliar a atividade de um Agricultor sem ter a frente Demonstrações Contábeis elaboradas de maneira consistente?

Sinto dizer que, quem não se preparar seriamente para isso, terá muitos problemas para obter crédito. As exigências de maiores e melhores garantias no cumprimento dos contratos irá afetar decisivamente a viabilidade econômica de milhares de Agricultores que, até então, nunca precisaram se preocupar com essa classe de questões.

O Prazo-Safra embute o custo financeiro de operações como o Desconto de Duplicatas (hoje em torno de 30% a.a.), além de ser normal a inserção um “fator de risco de inadimplência” sobre os preços dos insumos. “O Bom Pagador” sempre pagará o ônus do “Mal Pagador”. E essa regra não será quebrada.

Recordo que em 2013, na época em que era Diretor de uma Industria Química, visitei um Produtor Paranaense considerado um dos mais influentes da sua região.

Depois de conversarmos um pouco sobre os insumos e o mercado de maneira genérica, me foi colocado de maneira comercialmente “agressiva” que a condição de pagamento para que viesse a fechar a venda seria diferente da tradicional, pelo fato de muitos fornecedores disputarem um espaço naquela propriedade. Disse que comprava com prazos superiores a 12 meses.

Tendo escutado atentamente a proposição, perguntei se me poderia fornecer os Balanços a fim de que pudesse analisar a possibilidade da concessão do crédito. Me deparei com uma resposta muito mal educada, de alguém que parecia ter escutado uma ofensa imperdoável. O clima ficou pesado na hora.

Na tentativa de aliviar a tensão, comentei com o Produtor que eu também era Comprador de Soja e que muito tinha interesse de fazer negocios com ele.

Me perguntou quanto pagaria pela Soja naquele momento e lhe respondi que isso dependeria muito do prazo, agregando que não teria problemas de aceitar uma condição semelhante àquela que me havia sido proposta.

A reunião terminou na hora. Sem que pudéssemos ao menos encontrar um ponto de convergência.
Recentemente, tomei conhecimento de que o referido Agricultor se encontra em Recuperação Judicial, causou problemas financeiros gravíssimos a seus fornecedores de insumos, está inadimplente com o Banco onde tomou financiamento em Dólares e deixou dívidas incobráveis na Praça, onde antes era mais temido do que respeitado.

Moral da História, os tempos estão mudando e o que valia antes, não é garantia de que valerá amanhã.

Quem poderia dizer que a Syngenta seria comprada por um Grupo Chinês totalmente desconhecido por aqui? Por conhecer bem os chineses, duvido muito que os atuais donos dessa Gigante Multinacional sejam tão condescendentes na liberação de crédito, como foram os anteriores.

O Agricultor deve ter em mente que para obter crédito com terceiros, terá que aumentar significativamente o nível de segurança e visibilidade institucional da sua atividade.

Afinal, R$ 1,00 vale rigorosamente a mesma coisa para todos, independente se alguém planta, vende um insumo ou se dedica a cortar cabelo.

Fonte: Eduardo Lima Porto
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