Búfalas leiteiras – uma opção pecuária relevante

Por Otavio Bernardes*

Segundo a FAO, o leite de búfalas representava em 1967 apenas 5% de todo o leite produzido no mundo (incluindo bovinos, camelídeos, caprinos e ovinos), porém, com o crescimento de 550% na produção nos últimos 50 anos, mais que o dobro do observado no leite bovino em 2017, passou a representar 15% do volume mundial.

No Brasil, e de forma similar ao resto do mundo, mais de 2/3 de todo o leite produzido é destinado principalmente ao processamento, seja na pulverização, condensação ou transformação em derivados e – o restante – mantido fluido, cru, pasteurizado ou tratado por UHT. Assim sendo, mais que volume produzido, o principal valor do produto reside na sua proporção de sólidos e, em particular, no que se refere à transformação em derivados devido ao seu teor de proteínas e gorduras nele presentes.

Comparativamente ao leite bovino, o leite de búfalas apresenta um teor de sólidos 40-50% superior e um teor de proteínas e gorduras (principais componentes dos queijos) cerca de duas vezes maior, o que confere um ótimo potencial de transformação em laticínios.

Sua composição particular lhe confere ainda a capacidade de transformar-se em laticínios sensorialmente distintos daqueles elaborados com leite bovino e que vem tendo aceitação crescente no país e permitido um maior valor de revenda aos produtos elaborados com o leite da espécie. Assim, já conta com significativo portfólio de derivados tais como a mussarela em seus diversos formatos, burrata, frescal, ricota, requeijão cremoso, requeijão marajoara, entre outros, resultando numa demanda mais estável de produtos com maior valor agregado. Isso, aliado à falta de oferta internacional de matéria-prima, tem permitido arranjos comerciais entre a indústria e produtores com preços estabelecidos em bases anuais e hoje em níveis entre R$ 2,00 e R$ 2,60 conforme a região.

A aceleração da demanda como se observa por exemplo na Europa, tem gerado diferenças ainda mais expressivas entre as cotações de leite bovino e bubalino, sendo o primeiro cotado entre € 0,35-0,40 e o similar bubalino, entre € 1,30-1,50.

No Brasil, a Associação Brasileira de Criadores de Búfalos, baseada no volume de leite captado por indústrias ligadas a seu programa de “Selo de Pureza”, registrou um aumento de 872% entre 2001 e 2018. Dispunha em 2016 o país de um rebanho de 1.371.000 búfalos. Como espécie de dupla aptidão, das 437 mil matrizes criadas no país, ainda apenas 17% são utilizadas na produção de leite que, por suas características especiais tem cerca de 85% da produção transformada em laticínios. Apesar de relativamente modesta, a produção estimada em 2016 foi de 83,5 milhões de litros que, transformadas em derivados, movimentaram no mercado um valor de cerca de R$ 666 milhões.

Particularidades na composição do leite bubalino tem aberto espaços comerciais em diversos países para o consumo do leite fluido, seja integral, padronizado para composição similar ao bovino, seja desnatado, abordando características de funcionalidade do produto. Pesquisas recentes verificaram que todas as raças bubalinas possuem naturalmente os alelos A2A2. O leite possui um teor de cálcio, fósforo e ferro entre 50-60% superior ao bovino, menor teor de colesterol e menor relação ômega 6/ ômega 3, apesar de possuir maior teor calórico.

As búfalas leiteiras possuem sob monta natural uma taxa de fertilidade elevada, usualmente acima de 90% em condições normais, sendo também viável a reprodução instrumentalizada, seja por IATF (inseminação artificial em tempo fixo) ou mesmo transferência de embriões produzidos por FIV (fertilização in vitro). Usualmente ocorre a primeira cria aos 36 meses, com aumento da produção até a 3ª-4ª crias e permanecendo estável até pelo menos a 12-13ª crias, sendo comum animais com mais de 15-16 crias.

No Brasil, os rebanhos são explorados usualmente a pasto, com suplementação de concentrados, havendo, porém, explorações em sistemas intensificados a pasto ou em confinamento. São ordenhadas uma ou duas vezes ao dia, usualmente com presença de bezerro ao pé, manualmente ou em ordenha mecânica. Há, porém explorações com ordenha sem apojo, com ou sem uso de ocitocina.

Apresentam boa capacidade de aproveitamento de alimentos fibrosos e reciclam as proteínas de forma mais eficiente. Seu manejo sanitário é similar ao de bovinos em que pese uma maior resistência a algumas patologias comuns em bovinos, entre elas as infestações de carrapatos. Para manutenção de seu equilíbrio térmico em função do menor número de glândulas sudoríparas e a cor escura, necessitam de acesso à água ou oferta de áreas sombreadas nos períodos do dia com maior insolação.

A exploração leiteira comercial no Brasil é relativamente recente, tendo se iniciado ao final dos anos 1980 na região Sudeste e existe ainda uma grande variabilidade produtiva, com o rebanho produzindo médias por lactação entre 1500—1600 litros e outros, mais destacados, atingindo médias de 3.500-3.600 litros. Há registro no pais de indivíduos atingindo produções acima de 6.000 litros por lactação, ou de 5.500 litros até 305 dias, com picos diários de até 30 litros em duas ordenhas.

O leite comercial é quase totalmente destinado à industrialização que se concentra particularmente na região Sudeste e junto aos centros de maior capacidade aquisitiva, como em capitais, tendo em vista que os derivados produzidos com este leite costumam ter um preço mais elevado. Estimam-se mais de 150 estabelecimentos industriais no Brasil transformando exclusivamente leite da espécie havendo, porém, muitos deles que adicionam o leite de búfalas ao leite bovino para processamento visando aumento do rendimento industrial ou de diferenciação organoléptica dos derivados.

A indústria, se beneficia pelo elevado teor de sólidos do leite, reduzindo desta forma o custo do transporte e da área física instalada para processamento, bem como pelo elevado rendimento industrial, além de produzir produtos de qualidades sensoriais, nutricionais e mesmo funcionais que se revestem de boa aceitação e permitem a prática de preços diferenciados a seus similares bovinos.

Zootecnicamente, a espécie se destaca como interessante opção pecuária. Por sua grande adaptabilidade, mostra-se como opção econômica em mais diversos ambientes. Por sua maior rusticidade, tem mostrado respostas satisfatórias consumindo alimentos não concorrentes com o de outras espécies, como alguns tipos de resíduos agroindustriais.

Sua capacidade de transformar gramíneas e alimentos fibrosos em derivados de alto valor agregado e reciclá-los com a deposição de seus dejetos em solos de baixa fertilidade os qualifica como importante elo em sistemas naturais e sustentáveis de produção, bem como representam uma opção interessante para a ocupação das áreas rejeitadas pela agricultura, particularmente a de exportação, que vêm ocupando cada vez mais os melhores terrenos. Sua exploração, mesmo em pequenas propriedades, tem gerado ganhos substanciais mostrando-se relevante instrumento de progresso econômico e social.

“O búfalo tem uma caminhada irreversível e quem não acompanhar seu desenvolvimento ficará à margem de uma das mais promissoras atividades econômicas do segmento pecuário” – Wanderley Bernardes, Bubalinocultor, em 1986.

*Por Otavio Bernardes, médico e pecuarista, criador de búfalas leiteiras desde 1973, ex-presidente da Associação Brasileira e da Federação Americana de Criadores de Búfalos, Conselheiro Fiscal  e associado da ABCB.