Carnaval: Vale a carne?

Por Evaristo de Miranda*

Todo ano tem carnaval. Nunca no mesmo dia. Porque ele não é festejado na mesma data, como o Natal ou a independência do Brasil? Ele sempre acontece 40 dias antes da Páscoa. A verdadeira festa móvel é a Páscoa. É ela quem arrasta o carnaval na passarela do tempo. Qual regra define a data da Páscoa? Quem a criou? A datação da Páscoa vem de longe.

A Páscoa judaica relembra a saída da escravidão no Egito, a verdadeira terra de leite e mel para onde sempre recorreram os nômades famintos das vizinhas terras desérticas. A Páscoa judaica está associada ao equinócio de primavera no hemisfério norte, o dia 20 de março. Para o judaísmo, o próprio planeta foi criado por Deus no equinócio de primavera. Para muitos povos, o ano começava em março. O calendário romano começava no equinócio de primavera, marca da emergência da vida após meses de outono e inverno.

A Páscoa cristã corresponde à data da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. O tempo litúrgico da Páscoa começa quarenta dias antes, na Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma. Em 1091, a data da Páscoa foi assim estabelecida pela Igreja Católica: ela é festejada no primeiro domingo, depois da primeira lua cheia, após o equinócio.

Consequência direta, o início do Carnaval também se estabeleceu: o final de semana antes da Quarta-feira de Cinzas. E ele termina na Terça-feira de Mardi-gras, a Terça-feira gorda, evocando carne e gordura. A data não foi escolhida para afugentar nenhuma festividade pagã, como vaticinam alguns.

Com origem na Antiguidade pré-cristã, o carnaval foi incorporado, delimitado e datado pelo calendário católico. Na Europa, o carnaval era um período de festas profanas, invernais, regidas pelo ano lunar. Elas eram caracterizadas pela liberdade de expressão, fantasias e máscaras, pela subversão temporária de papéis sociais e até naturais.

Em pleno rigor invernal, a festividade do Carnaval era um sobressalto de vida e de grandes refeições. Tempo de destacar a sobrevivência face ao frio, aos riscos da morte por enfermidades etc. As pessoas expressavam a certeza, pela duração cada vez mais longa dos dias, da chegada de tempos melhores (primavera). Sobreviveriam ao inverno. Quanto ao inferno…

Para alguns, a expressão latina carne vale! (Adeus, carne!), anuncia a entrada na abstinência quaresmal. Outra etimologia lê carne levare: afastar a carne, do latim levare “tirar, sustar, afastar”. Um último consumo de carne antes da Quaresma. Se a COVID não autoriza bloco, desfile e aglomerações, nada impede churrascos entre amigos e familiares, com as devidas precauções, para honra e glória de bovinos e pecuaristas!

*Evaristo de Miranda – chefe da Embrapa Territorial