Lições da Austrália para o agro brasileiro

 Marcos Sawaya Jank (*)

Temos muito a aprender em organização, regulação, comunicação e presença internacional.

Estive recentemente na Austrália, um dos países com os quais mais temos a aprender na área de organização de cadeias produtivas, regulação adequada e política comercial competente.

Apesar de ser o sexto maior país em área do mundo, logo atrás do Brasil, a Austrália padece de um imenso déficit hídrico. Ela se posiciona entre os países mais áridos do planeta, além de ser vítima frequente das mudanças do clima e de eventos extremos.

Sem água para expandir a produção agropecuária e com um mercado interno bastante limitado (o país possui apenas 25 milhões de habitantes), a Austrália decidiu investir na organização das suas cadeias de commodities, buscando adição de valor e diferenciação no exterior.

Para começar, o país assinou dezenas de acordos comerciais que cobrem virtualmente toda a sua pauta exportadora, principalmente na Ásia, garantindo acesso privilegiado e menores problemas e surpresas.

A Austrade, agência de promoção de comércio e investimentos semelhante à nossa Apex, tem 83 escritórios no exterior, dos quais 48 apenas na Ásia.

No agronegócio, chama a atenção a sólida cultura enraizada no governo e no setor privado em temas como qualidade e segurança do alimento, rastreabilidade, inovação e capacitação. São notáveis o sistema de classificação e tipificação de produtos e o trabalho subsequente de marketing e fixação da marca-país. Isso dá à Austrália uma alta reputação e credibilidade principalmente na Ásia, traduzida em maiores preços dos produtos vendidos.

No setor privado, a organização da cadeia das carnes vermelhas é um bom exemplo. A principal organização do setor —a Meat and Livestock Australia (MLA)— tem um orçamento anual de US$ 154 milhões (R$ 585 milhões), dos quais US$ 40 milhões (R$ 152 milhões) bancados pelo governo, para serem gastos basicamente com programa de inovação tecnológica no país e de comunicação no exterior. A entidade já montou sete escritórios no exterior.

Sem poder contar com a opção confortável de um grande mercado doméstico e tendo de encarar custos mais elevados em razão da carência de água e de mão-de-obra do país, a Austrália não pode falhar na consistência das suas exportações.

O sistema de vigilância para evitar a entrada de doenças no país é sofisticado e eficaz, visível para qualquer um que desembarca nos aeroportos do país.

A legislação sanitária é simples e objetiva, focada nas necessidades dos reguladores e dos clientes do exterior. No Brasil, a legislação sanitária é ultrapassada (data dos anos 1930!), complicada e engessada, sendo que a maioria dos agentes não conhece o ambiente regulatório e as exigências do mercado externo. Não são raros os casos em que as respostas que são dadas não atendem ao que foi pedido no exterior.

É quase um milagre termos chegado a quase US$ 100 bilhões em exportações no agronegócio brasileiro, sem contar com o suporte de acordos comerciais, sem logística adequada, com legislações anacrônicas e presença ínfima no exterior. O que nos salvou foi a disponibilidade de recursos naturais do Brasil, aliada ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, à bravura dos agricultores e das agroindústrias que desbravaram os nossos trópicos.

Mas nos quesitos organização, regulação, comunicação e presença internacional temos muito a aprender com países como a Austrália.

 

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.