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Mastite causa dor e afeta o bem-estar da vaca

Ainda que seja uma das doenças mais estudadas das vacas leiteira, a mastite ainda é considerada como a que mais causa prejuízos ao produtor e à cadeia agroindustrial do leite. De um lado, a mastite subclínica tem como prejuízos principais a redução da produção de leite e perdas de bonificação de preço. Por outro lado, a mastite clínica resulta em descarte de leite com resíduos de antibióticos, gastos com medicamentos usados no tratamento, perdas de produção de leite de médio e longo prazo no restante da lactação, descarte da vaca e até morte, além de outros custos indiretos como a redução do desempenho reprodutivo.

Contudo, o impacto da mastite sobre o bem-estar e o comportamento das vacas acometidas tem sido pouco considerado, quando são estimados os custos diretos e indiretos da doença. Isso tem ocorrido, principalmente, em razão da ausência de técnicas e métodos simples para avaliação do bem-estar, da dor e outras consequências negativas que a mastite acarreta nas vacas leiteiras.

Um dos conceitos de bem-estar animal, mais usado atualmente, envolve o respeito às “cinco liberdades”, com foco nas de práticas de manejo utilizadas. Este conceito de liberdades foi originalmente desenvolvido pelo Conselho do Bem-Estar de Animais de Produção do Reino Unido (Farm Animal Welfare Council – FAWC), sendo reconhecido internacionalmente e, muitas vezes, adaptado de acordo com condições específicas de cada sistema de produção. Em síntese, o conceito de bem-estar animal está vinculado a cinco liberdades básicas dos animais, os quais devem ser:

  1. Livres de fome, sede e desnutrição;
  2. Livres de desconfortos e vivendo em ambiente apropriado;
  3. Livres de dor, ferimentos e doenças;
  4. Livres de medos e angústias e com a garantia de boas condições de manejo, que evitem sofrimentos;
  5. Livres para expressar comportamento normal: espaço suficiente, condições de alojamento apropriadas e a companhia de outros animais de sua espécie.

Do ponto de vista de bem estar, a mastite interfere em pelo menos 4 das 5 liberdades, pois resulta diretamente em desconforto, dor e alterações de comportamento do animal. Sendo assim, além dos prejuízos causados pela mastite, deve-se levar em consideração também os efeitos negativos sobre o bem-estar das vacas.

Como identificar quando as vacas têm dor?

A dor é considerada pela Associação Internacional de Estudo da Dor como “uma experiência sensorial e emocional desagradável que está associada com danos reais ou potenciais nos tecidos”. Em razão desta definição ampla e com possibilidade e inúmeras interpretações quando aplicada a humanos, pode-se esperar que existem dificuldades ainda maiores para avaliar a ocorrência de dor em animais, o que torna este a avaliação difícil e muitas vezes controversa. Sendo assim, para determinar se uma vaca tem ou não dor, os principais indicativos que podem ser usados são as alterações fisiológicas e de comportamento.

Nas vacas leiteiras, algumas doenças são inquestionavelmente reconhecidas como causadoras de dor, tais como a claudicação e os casos de mastite grave. Nessas situações, existem sinais facilmente visíveis de ocorrência de dor, entre os quais pode-se destacar o desconforto, a dificuldade de locomoção, a redução da produção de leite, a perda de peso e a alteração da postura. No entanto, casos leves e moderados de mastite clínica não são facilmente reconhecidos como situações associadas com a ocorrência de dor, principalmente em razão do falta de identificação de alterações de comportamento indicativas de dor. Outro fator complicador quando se avalia a dor em vacas leiteiras é a biologia dos ruminantes, os quais foram evolutivamente selecionados para não manifestarem sinais de dor e vulnerabilidades frentes aos seus predadores naturais.

A despeito da importância do bem-estar para manter a alta produtividade das vacas leiteiras e da crescente demanda por parte dos consumidores e de entidades que promovem o bem-estar dos animais, existem poucos estudos sobre métodos confiáveis e simples para avaliar o efeitos da ocorrência de doenças como mastite clínica sobre o bem-estar de vacas leiteiras.

As principais substâncias mediadoras da dor estão associadas com processos inflamatórios, tais como prostaglandinas, troboxanas e a bradicinina, as quais são liberadas durante a resposta a uma infecção ou lesão da glândula mamária.

Alterações fisiológicas e de comportamento relacionadas com a mastite

As alterações comportamentais tem se tornado uma das principais ferramentas de manejo para a identificação de animais doentes. A identificação rápida e precoce de alterações fisiológicas e de comportamento das vacas leiteiras doentes pode facilitar o diagnóstico de doenças e realização do tratamento mais adequado. Quando ocorre inflamação e dor nas vacas leiteiras, ambos processos estão associados com alterações neurais, endócrinas, hematológicas, imunológicas, metabólicas e comportamentais, cuja principal função é reestabelecer as condições de homeostasia (equilíbrio).

O sistema imune tem comunicações com o sistema nervoso central, pelas quais são transmitidas informações sobre a ocorrência de respostas imunes nos tecidos e que têm como resultado as alterações de comportamento. As principais alterações de comportamento associadas com a ocorrência de doenças são a redução do consumo de alimentos, redução de interação com outros animais, sonolência, desconforto e letargia.

Para o diagnóstico mais completo da mastite clínica, atualmente, recomenda-se a utilização de um sistema de escore de classificação dos sintomas em: leve, moderado e grave. Os casos clínicos leves são aqueles nos quais somente são observadas alterações do leite (grumos, coágulos, coloração alterada, leite aquoso). De modo diferente, nos casos moderados além de alterações visuais do leite também ocorrem sintomas de inchaço e aumento de sensibilidade no quarto afetado (dor). Os sintomas dos casos graves de mastite clínica incluem alterações sistêmicas, tais como febre, depressão, redução de consumo, redução significativa da produção de leite, associados com alterações do leite do e do quarto afetado.

Os estudos indicam que vacas com casos leves e moderados de mastite clínica apresentam, além dos sintomas clássicos de alterações do leite e do úbere, as seguintes alterações: posição de estação alterada, aumento da taxa de batimentos cardíacos e respiratórios e aumento da temperatura retal. Além disso, vacas com mastite clínica apresentam maiores concentrações sanguíneas de cortisol e de CCS, assim como estas vacas doentes permanecem menos tempo deitadas.

Um estudo recente avaliou o efeito de casos de mastite clínica em vacas naturalmente infectadas antes e após o tratamento sobre o comportamento alimentar e o consumo de alimentos. Foi observado que as vacas com mastite clínica reduzem o consumo de alimentos em aproximadamente 1,2 kg de matéria seca/dia, sendo que esta redução começa cerca de 5 dias antes do diagnóstico clínico da mastite. Além disso, o comportamento alimentar foi alterado, pois as vacas foram com menor frequência/dia ao cocho, o que indica o desconforto das vacas em razão da mastite clínica. Após o tratamento, houve aumento do consumo de alimentos.

Ainda que a ocorrência de dor seja bem reconhecida em casos graves de mastite, isto não ocorre da mesma forma nos casos leves e moderados, o que leva à necessidade de utilizar indicadores que estão associados com a dor. Um dos indicadores mais simples e que podem ser medidos é a redução do consumo de alimentos, de água e de produção de leite.

De forma geral, as vacas apresentam relativa constância no consumo de alimentos e na produção de leite dentro de um período de alguns dias e desta forma, a redução de um destes indicadores pode ser interpretada como possível problema. Outro indicador que está associado com a ocorrência de inflamação da glândula mamária é o aumento da CCS, a qual está diretamente associada com a resposta inflamatória e, portanto, pode estar associada com dor. Além dos fatores fisiológicos, as alterações de comportamento também podem ser indicativos de ocorrência de desconforto e dor, tais como redução da atividade de locomoção, tempo de ruminação, tempo que a vaca permanece deitada, tempo em pé, o que pode ser avaliado pelo uso de pedômetros.

Principais indicadores de dor em vacas leiteiras:

  1. a) Redução da movimentação/locomoção;
  2. b) Aparência de depressão;
  3. c) Redução de consumo de alimentos, de água e perda de peso;
  4. d) Redução de interação com outras vacas no grupo;
  5. e) Diminuição da produção de leite;
  6. f) Alteração da postura;
  7. g) Aumento da frequência cardíaca e respiratória.

Uso de tratamentos para melhoria de bem-estar de vacas

Considerando que a mastite clínica é uma condição que resulta em inflamação da glândula mamária, o que causa desconforto e dor, o uso de anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) é um dos tratamentos de eleição para reduzir a inflamação, a dor e a temperatura corporal (quando há febre), quando os sintomas de inchaço do úbere ou de sintomas sistêmicos são observados. Os protocolos de tratamento para casos graves de mastite incluem além da terapia de suporte (hidratação), a administração de antibióticos injetável e intramamários e o uso de AINE. Os AINEs são drogas que atuam na inibição de uma das etapas da resposta inflamatória, reduzindo a síntese de prostaglandinas e, consequentemente, os sintomas associados com a inflamação.

Os principais estudos sobre o uso de AINE para tratamento de mastite clínica foram feitos com mastite causada por coliformes, nos quais os sintomas de inchaço e dor no quarto afetado são evidentes. Nas situações de mastite moderada e grave, o tratamento com AINEs resulta em diminuição mais rápida dos sintomas de inflamação e desconforto. Estes estudos indicaram que AINEs (tais como flunixin-melgumine e meloxican) são boas opções para tratamento de casos de mastite moderada e grave – cujos sintomas são dor, inchaço e febre (nos casos de mastite clínica) – visando a melhoria do bem-estar das vacas.

Por: Marcos Veiga Santos

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