Ovinocaprinocultura no semiárido: vale a ênfase na prolificidade e no peso da cria ao nascer?

Por Aurino A. Simplício e Kalina M. M. G. Simplício

Os caprinos e ovinos produzem alimentos de alto valor biológico e matérias-primas valiosas, como lã, pele e esterco. Ainda, são portadores de forte capacidade de adaptação e rusticidade. Ao se colocar o foco na zona semiárida do País é prudente buscar a otimização da produção sustentável. Neste contexto, o sucesso do sistema de produção em uso deve guardar estreita relação o mercado. O manejo reprodutivo dos rebanhos é visto como a principal atividade geradora de benefícios econômicos, ainda que dispendioso do ponto de vista alimentar e da nutrição.

O semiárido apresenta-se com condições climáticas desafiadoras no tocante a quantidade de água e distribuição das chuvas, resultando na disponibilidade irregular de forragens, fator este limitante para qualquer sistema de produção com ruminantes. A despeito do número de variáveis que influenciam a prolificidade e o peso das crias ao nascer (PCN), existe uma forte tendência à valorização da prolificidade e o PCN. Estes não trarão benefícios positivos se o sistema de produção não favorecer a sobrevivência e o peso corporal das crias ao desmame e no transcorrer das fases de recria e de acabamento. Ainda, o PCN pode afetar, negativamente o desempenho produtivo dos animais. O elevado PCN pode favorecer a ocorrência de toxemia da gestação, de parto distócico, o abandono de cria, a retenção de placenta, a ocorrência de infecção puerperal e a duração do período para a reconcepção pós-parto.

Os caprinos e ovinos apresentam potenciais biológicos para contribuírem, positivamente, para o aumento e a constância da oferta de produtos de excelente qualidade, destacando-se o leite, a carne, a pele, a lã e o esterco e assim favorecerem a geração de emprego e renda. Apesar do marcante potencial reprodutivo, da adaptabilidade e rusticidade dos pequenos ruminantes, muitos são os desafios a serem superados, mas as oportunidades econômicas e sociais não são menores (SIMPLÍCIO et al., 2003; SIMPLÍCIO e SIMPLÍCIO, 2006; SIMPLÍCIO, 2007).

Em adição, independente do tipo de exploração, em especial, para produção de leite, de carne ou de ambos os produtos e da região geográfica, nos dias atuais, não se deve esquecer que a caprino e a ovinocultura estão presentes em todos os estados brasileiros. Esta condição favorece o acesso aos produtos e seus derivados. Ressalte-se, também que para o sucesso dessas explorações é fundamental dar foco nas demandas dos mercados, interno e externo, e não negligenciar a importância do ambiente, do bem-estar animal e do genótipo.

Evidencie-se que explorar animais adaptados favorece o bem-estar animal a custo mais acessível. Ainda, que as instalações são componentes importantes do ambiente e devem ser compatíveis com os objetivos da exploração, com o sistema de produção e com o regime de manejo, isto é, extensivo, semi-intensivo ou intensivo, a ser imposto aos animais. Esses fatores são fundamentais quando se busca a otimização do uso de insumos, o desfrute e a produtividade sustentável, elementos-chave para a eficiência produtiva e a rentabilidade dos sistemas de produção.

O principal custo das explorações de ruminantes está associado à alimentação, pelo que sempre ocorre forte pressão para conseguir a melhor relação custo/benefício. Já o manejo reprodutivo dos rebanhos comumente é a principal atividade geradora de benefícios econômicos, ainda que dispendioso do ponto de vista nutricional. Neste contexto, o semiárido é caracterizado por condições climáticas desafiadoras, em particular no tocante a quantidade de água e distribuição das chuvas, resultando na disponibilidade irregular de forragens, fator este limitante para qualquer sistema de produção com ruminantes (SIMPLÍCIO et al., 1982; MACHADO e SIMPLÍCIO, 1998; MEXIA et al., 2004). Portanto, reforça-se a importância e a necessidade de se planejar e implantar estratégias de alimentação e nutrição quando se explora os ruminantes na zona semiárida do Nordeste Brasileiro.

Para Campos et al. (2017), no semiárido, essas ações podem dar foco no plantio e manejo adequado de forrageiras xerófilas; nos usos de forragem conservada e de resíduos agroindustriais para a suplementação dos animais, objetivando melhorar sua rentabilidade e visando à conservação de forragens que se encontram em abundância no transcorrer da estação chuvosa. Ressalte-se, ainda a importância do uso de mistura múltipla ao longo dos meses do ano, em especial na estação seca.

Muitas vezes, a aptidão dos animais para produzir leite, carne e pele de qualidade é limitada tornando-se visível a necessidade de incorporação aos rebanhos de genótipos ou de indivíduos de raças especializadas. Neste cenário, ressalte-se a importância da inseminação artificial (IA), por meio da técnica tradicional e em tempo fixo (IATF) e da transferência de embriões (TE), dentre outras biotécnicas. No entanto, para se usar quaisquer técnicas de manejo, em particular as de ordem reprodutiva em explorações caprina e ovina devem-se avaliar os possíveis resultados esperados com foco nos mercados e na relação custo-benefício (SIMPLÍCIO, 2007; MORAES, et al., 2007).

Ainda, o uso de biotécnicas da reprodução deve, preferencialmente, ser precedido do descarte orientado e das escriturações, zootécnica e contábil, bem como, do estabelecimento de objetivos e metas. Estes pontos, certamente, contribuirão fortemente para a organização e gestão da unidade produtiva e a inserção das duas atividades no agronegócio (SIMPLÍCIO e SANTOS, 2005).

Independente da função explorada e da categoria a que o produtor pertença, familiar ou empresarial, aumentar a produtividade com rentabilidade econômico-financeira deve ser um dos principais objetivos. É importante buscá-la desde que o processo produtivo valorize o equilíbrio agroecológico, a rastreabilidade e a ética, e tenha foco na sustentabilidade econômica e no impacto social positivo. Também é fundamental que os produtores de caprinos e de ovinos, independente da tipologia a que pertençam, isto é, pequeno, médio ou grande adotem postura empresarial, o que favorece o estabelecimento de objetivos, metas e estratégias a serem alcançadas frente as demandas do mercado. Caso contrário, poderá ter sérios desafios na comercialização dos produtos e de seus derivados. Com este enfoque é que se ressalta a importância da organização e da gestão profissional da unidade produtiva (SIMPLÍCIO e SIMPLÍCIO, 2006; MORAES, et al., 2007).

A prolificidade por si só não é um fator determinante para o sucesso da exploração e colocar ênfase excessiva no aumento deste índice só é justificado quando condições de ambiente e bem-estar animal favorecem a sobrevivência e o ganho de peso, em especial, das crias no transcorrer do período de amamentação e nas fases de recria e acabamento (NASCIMENTO et al., 2018).

Considere-se, ainda que os custos de produção e os mercados devem ser favoráveis. Particularmente, na exploração para produção de carne, pele e esterco, a eficiência reprodutiva (ER) deve ser avaliada, preferencialmente pela taxa de reprodução (TR) (ANDRÉ JÚNIOR e SIMPLÍCIO, 2017). Esta aqui conceituada como o número de crias desmamadas por matriz exposta à reprodução, por ciclo de produção. Este, conceituado como o intervalo entre dois partos ou entre dois momentos de desmame.

No entanto, considere-se que a TR é influenciada por diversos fatores, destacando-se, o manejo alimentar; da nutrição; da prevenção de doença e promoção da saúde e reprodutivo; o regime de manejo; as instalações; a umidade relativa do ar e do solo; a temperatura ambiente; a capacidade biológica do macho e da fêmea para se reproduzirem; a taxa de ovulação; a produção e liberação de sêmen de qualidade; as porcentagens de fecundação e de concepção; a sobrevivência embrionária; a ordem de parto; a fertilidade ao parto; a habilidade materna e, a capacidade de adaptação dos indivíduos ao meio ambiente (ODUTOBE, 1996; CEZAR e SOUSA, 2006; CARNEIRO et al., 2016).

No entanto, entre os produtores dos pequenos ruminantes existe a tendência para se valorizar, excessivamente a prolificidade, isto é, o número de crias nascidas viáveis pelo número de matrizes paridas (P) e o peso da cria ao nascer. Ressalte-se que este é fortemente influenciado pelo genótipo, particularmente da linha paterna e aquela pelo genótipo, pela ordem de parto, pela condição corporal das matrizes e reprodutores à época do acasalamento ou da inseminação artificial, pelo estádio de saúde dos animais e por fatores ambientais (Tabelas 1 e 2).

Em princípio, considere-se, que os dois últimos atributos não trarão benefícios positivos se o sistema de produção em uso e a produção de leite das matrizes não favorecerem, positivamente, a sobrevivência e o peso corporal das crias ao desmame e no transcorrer das fases de recria e de acabamento. Ainda, o peso ao nascer pode funcionar, negativamente, afetando assim os desempenhos reprodutivo e produtivo dos animais submetidos ao sistema de produção.

Principalmente, quando se mantém foco na precocidade sexual das fêmeas e, por conseguinte, o primeiro acasalamento é feito quando a cabrita ou a cordeira apresenta peso corporal inferior a 60,0% do peso das matrizes adultas e o sistema de produção em uso deixa a desejar. Isto, em particular, no tocante aos manejos alimentar, da nutrição e da prevenção de doença e promoção da saúde. O peso ao nascer elevado, também, pode favorecer a ocorrência de toxemia da gestação, de parto distócico, o abandono de cria, a retenção de placenta, a ocorrência de infecção puerperal, o aumento de custo, a duração do período para a reconcepção pós-parto, dentre outros aspectos, negativos.

Por fim, lembra-se que na zona semiárida brasileira a certeza está por conta da não ocorrência anual de uma quadra chuvosa regular, em especial, no tocante a quantidade de água e a distribuição das chuvas ao longo dos meses do ano.

Referências bibliográficas

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* Aurino A. Simplício é médico veterinário e Kalina M. M. G. Simplício é médica veterinária