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Sanidade na criação de bezerras – do nascimento às 24 horas de vida – parte I de IV

O manejo de bezerras recém-nascidas é intensivo, desafiante e representa um investimento em saúde e produtividade. Práticas inseridas podem reduzir os custos nesta fase da criação, decorrentes do aumento da taxa de sobrevivência neonatal, redução dos índices de morbidade (% de doentes no rebanho), mortalidade (% mortes no rebanho), aumento do ganho de peso, desmame precoce, aumento da rentabilidade em longo prazo (em virtude do crescimento do rebanho), produção de leite e reposição de vacas.

Índices sanitários estabelecidos para a criação de bezerras ainda não foram oficialmente traçados para o Brasil, sendo assim, usamos os formulados pelo Dairy Calf and Heifer Association (2013). Esta associação estabeleceu limites de mortalidade < 5% entre 24 horas aos seis meses de vida; mortalidade < 2% entre 61 aos 120 dias de vida; e mortalidade < 1% entre 121 aos 180 dias de vida. A taxa de diarreia deve ser menor que 25% entre 24 horas aos 60 dias de vida. A ocorrência de doenças respiratórias não deve ser superior a 10% na fase de aleitamento ou 15% entre 61 aos 120 dias de idade.

Elevadas taxas de ocorrência de doenças comprometem a taxa de crescimento das bezerras: dobrar o peso do nascimento aos 60 dias de vida; ganho de peso aproximado de 1 kg/dia entre 61 aos 120 dias de vida; e 0,9 kg/dia entre 121 aos 180 dias de vida. O atraso no crescimento certamente prejudicará o alcance das metas reprodutivas e produção de leite futura.

As doenças aparecem em ordem cronológica após o nascimento devido ao perfil fisiológico, imunológico e manejo das bezerras em cada fase da criação, sendo assim o tema sanidade na criação de bezerras será distribuído em quatro artigos, abordando a relação entre os fatores de risco (falhas no sistema de criação) com o aparecimento das doenças nos seguintes momentos: periparto; período neonatal; 31 dias ao desmame; e período de transição (pós-desmame).

Quadro 1– Ciclo de aparecimento das doenças de acordo com a idade das bezerras.

2- A saúde das bezerras inicia-se na maternidade

2.1- Manejo da vaca no pré-parto

Os cuidados com as bezerras iniciam-se com o manejo das vacas no mês que antecede a parição. Nesta fase, as medidas devem ser focadas na diminuição do estresse devido ao reagrupamento/ressocialização das vacas, adaptação ambiental e dieta. A maternidade deve conter número suficiente de baias para descanso, cama alta e seca e número suficiente de cochos para evitar a competição por alimentos.

Vacas preferem o isolamento no momento do parto e procuram abrigos fechados durante o dia, além disso, aumentam drasticamente o tempo de permanência em pé, de dois dias antes do parto até o momento da parição. Para garantir o isolamento e conforto das vacas, algumas fazendas transferem os animais do ambiente coletivo para as baias de parição, entretanto deve-se ter o cuidado de transferir as vacas com a antecedência de pelo menos um dia em relação ao parto.

Estresse durante o período de transição pode justificar as queixas de alguns produtores em relação à falha na produção de colostro ou elevada taxa de natimortos. A causa e efeito vinculados a estes problemas ainda precisa ser elucidada.

2.2- Partos trabalhosos e prolongados podem resultar em asfixia neonatal

O periparto, período compreendido entre o momento da parição e as primeiras 48 horas de vida, é responsável pelos maiores índices de mortalidade em bovinos, podendo oscilar entre 8 e 25%. Esse fato está associado aos partos difíceis e prolongados (distócicos). As bezerras que sobrevivem a esse tipo de parto apresentam saúde comprometida. Além disso, partos complicados podem ter efeitos em longo prazo, diminuindo a taxa de sobrevivência até a idade adulta, reduzindo o ganho de peso e a produção de leite futura. A questão deve ser tratada com prioridade devido ao grande impacto negativo sobre a sobrevivência, saúde e produtividade do animal.

A dificuldade durante o processo de parição ainda está associada ao tamanho das bezerras. Fetos provenientes de fertilização in vitro apresentam maior tamanho ao nascimento e maiores chances de terem partos trabalhosos. A má apresentação fetal manifestada por posição inadequada do feto também são responsáveis por partos distócicos e ocorrem com maior frequência em vacas multíparas.

Os efeitos da parição na saúde das bezerras variam de acordo com a dificuldade e tempo do trabalho de parto. A classificação do parto em escores pode auxiliar na identificação das bezerras que possuem maior risco de vida (Quadro 2).


Quadro 2
 – Escore de parição de acordo com a dificuldade relacionado ao trabalho de parto.

A ruptura do cordão umbilical ocorrida durante o trabalho de parto é caracterizada pela diminuição de oxigênio e aumento das concentrações sanguíneas de dióxido de carbono (CO2). O CO2 estimula os reflexos ofegantes para a entrada de ar e distensão dos pulmões. Esse mecanismo também prepara o sistema cardiovascular (coração e vasos) para a vida após o nascimento.

Nos partos prolongados, as bezerras ficam retidas no canal do parto e desenvolvem um quadro chamado de “asfixia” devido à sua incapacidade em captar oxigênio do meio ambiente após a ruptura do cordão umbilical. Muitas vezes aspiram os líquidos oriundos das bolsas que protegem os fetos durante a gestação (“afogamento”).

As bezerras que passam por asfixia no parto apresentam baixa vitalidade e podem ser identificadas pelo teste de APGAR. O teste APGAR foi desenvolvido em 1952 pela anestesista Virgínia Apgar e se tornou uma ferramenta para a avaliação da saúde de recém-nascidos humanos. É uma avaliação feita imediatamente após o parto e cinco minutos após a vida do bebê. Esse procedimento foi adaptado para a avaliação das bezerras recém-nascidas por Born et al. (1981).

É fornecida nota de 0 a 2 para os seguintes critérios: força muscular, reflexos, cor das mucosas e atividade respiratória. Em seguida, devem-se somar todas as pontuações obtidas para cada critério e fazer a classificação das bezerras de acordo com o grau de risco:

– nota 7-8 = bezerras sadias;

– 4-6 = bezerras deprimidas;

– nota 0-3 bezerras com elevado grau de risco.

Quadro 3 – Escore para avaliação da viabilidade do bezerro recém-nascido pela escala de APGAR.

Se o bezerro apresentar pouca vitalidade ou estiver deprimido algumas medidas podem ser tomadas para auxiliar na recuperação do animal.

1 – Posicionar a bezerra em decúbito esternal – coloque os dois joelhos sob o bezerro para que ele possa sentar com a cabeça em pé para facilitar a expansão dos seus pulmões.

2 – Toalhas secas devem ser esfregadas no dorso, no sentido da cauda à cabeça, secando e removendo muco ou fluídos advindos das narinas, para evitar a aspiração dessas substâncias pelo trato respiratório ao início da respiração.

3 – Estímulos respiratórios podem ser realizados pela pressão digital no centro do muflo e septo nasal, e compressão da traqueia bilateral para provocar esforço respiratório ou tosse.

4 – Gotas de água gelada sobre a cabeça pode ser um estímulo para suspiro reflexo e início da respiração.

5 – Uso de ressuscitador, aparelho que sopra ar nos pulmões, para ajudar na expansão pulmonar. Em casos mais graves deve-se utilizar ventilação, oxigenação artificial e medicamentos sob orientação do médico veterinário.

As propriedades precisam instituir métodos diferenciados para cuidar de bezerros recém-nascidos que passaram pela asfixia, esses animais devem ser identificados por meio de marcação, brincos ou pulseiras, para maior atenção, observação e cuidados no bezerreiro.

 

As bezerras recém-nascidas devem ser transferidas da maternidade até 15 minutos após seu nascimento, pois sua permanência em ambiente de vacas adultas amplia o risco da transmissão de patógenos pela via de infecção fecal – oral. O cordão umbilical pode ser outro sítio para a entrada e instalação de patógenos. Bezerras que permanecem por período de tempo prolongado na maternidade podem carregar micro-organismos para o bezerreiro.

As bezerras deveriam ser encaminhadas da maternidade para uma área intermediária separada do bezerreiro com condições favoráveis que propiciem a sua adaptação ao meio ambiente para o aquecimento, secagem, cuidados com o umbigo, avaliação neonatal, identificação, colostragem, dentre outros procedimentos. Esse ambiente deve ser limpo, seco, com camas altas e zona de temperatura termo-neutra (20°C). Camas de palha profundas podem ser usadas para aquecer bezerras em ambientes frios.

3- Manejo de colostro

A placenta bovina é uma barreira composta por seis camadas que impede a transferência de anticorpos da mãe ao feto durante a gestação. Assim, as bezerras nascem sem níveis de anticorpos detectáveis no sangue e são totalmente dependentes da proteção transferida via colostro.

O colostro é constituído por componentes biológicos ativos, como fatores imunológicos, nutricionais, hormonais e de crescimento. Dentre os fatores imunes, destaca-se os anticorpos. O colostro deve ser coletado de vacas recém paridas o mais rápido possível após a parição, os tetos devem ser lavados com solução clorada a 2% e secos com papel toalha individual.

Infelizmente algumas fazendas têm ordenhado as vacas recém-paridas junto com o último lote de ordenha composto pelos animais com mastite ou outras enfermidades. Este procedimento traz sérios prejuízos à saúde das vacas porque algumas delas estão com sistema imune enfraquecido no pós-parto, além disso, o colostro pode ser contaminado com micro-organismos causadores de doenças.

Outro problema que temos notado é a manutenção dos baldes com colostro no meio ambiente por longos períodos de tempo até a colostragem das bezerras. Esse procedimento facilita a multiplicação de bactérias no colostro e pode comprometer precocemente a saúde do intestino e desencadeamento das diarreias. A temperatura ambiente por períodos acima de uma hora após ordenha é favorável para a proliferação de bactérias contaminantes no colostro. O colostro deve conter valores inferiores a 100.000 Unidades Formadoras de Colônias – UFC/mL de colostro. Após a primeira ordenha das vacas, recomenda-se o uso do colostrômetro e refratrômetro Brix para avaliar a qualidade do colostro.

O colostrômetro deve ser adicionado dentro do recipiente onde o colostro está armazenado. É importante que o colostro esteja a uma temperatura entre 20 a 25ºC, em seguida, deve-se fazer a leitura em escala de cores: se apenas a cor vermelha do colostrômetro ficar aparecendo isso indica um colostro de má qualidade; a cor amarela representa colostro com qualidade intermediária; e a cor verde indica colostro de boa qualidade com concentrações de anticorpos acima de 50 mg/mL de colostro. Somente usar o colostro de boa qualidade para a transferência de imunidade passiva.

A avaliação do colostro através do refratômetro Brix (escala de 0-32%) também é bastante eficaz para avaliar a qualidade imunológica do colostro. O refratômetro deve ser calibrado antes de cada uso com água destilada e a água deve ser seca com papel toalha. Por fim, deve-se adicionar uma gota de colostro sobre o prisma e realizar a leitura. O valor ideal para considerar um colostro como de boa qualidade é acima de 21% Brix.

A colostragem das bezerras deve ser realizada o mais rápido possível, sendo que a eficiência da transferência de anticorpos através do epitélio intestinal é ótima nas primeiras quatro horas pós-nascimento, observando-se declínio progressivo na eficiência da absorção à partir das seis horas de vida com finalização do transporte às 18 horas após o nascimento.

A quantidade de colostro indicada é de 15% do peso vivo das bezerras. Exemplo: uma bezerra de 40 kg deve receber seis litros de colostro. A meta inicial é o fornecimento mínimo de três litros de colostro nas primeiras duas horas de vida. A segunda mamada de colostro (3 litros) deve ser fornecida às seis horas pós-nascimento.

O colostro deve ser fornecido com auxílio de mamadeira ou sonda esofágica. A amamentação natural tem sido desaconselhada por possuir algumas desvantagens em relação aos outros métodos – não é possível avaliar a qualidade imunológica do colostro e nem controlar o volume ingerido pelo bezerro, por exemplo.

É importante que as propriedades congelem o colostro excedente (de boa qualidade) e façam um banco de colostro, assim os bezerros filhos de vacas que produziram um colostro de má qualidade ou pequena quantidade de colostro poderão receber colostro de boa qualidade.

O congelamento deve ser realizado a -20ºC em recipientes higienizados e identificados com data, nome da doadora de colostro, teor de anticorpos medidos pelo colostrômetro ou índice Brix. A validade do colostro congelado é de um ano após data da coleta. O descongelamento deve ser realizado em banho maria (45-50ºC) até que o colostro atinja uma temperatura de 37ºC. O colostro nunca deve ser submetido a temperaturas superiores a 50ºC devido à destruição dos anticorpos.

4 – Cura do umbigo


A antissepsia do cordão umbilical deve ser realizada imediatamente após o nascimento. Deve-se inicialmente verificar o comprimento do cordão umbilical. Se ele este estiver muito comprido, deve ser cortado para que fique com aproximadamente um palmo (10 cm) de comprimento.

A cura do umbigo pode ser realizada com soluções antissépticas a base de iodo ou clorexidina. Apesar de muitos trabalhos avaliarem o uso de diferentes concentrações de antissépticos para cura do umbigo, esses resultados ainda são bastante conflitantes, sendo que vários protocolos apresentaram resultados satisfatórios.

A antissepsia do cordão umbilical pode ser realizada utilizando-se iodo a 10% no primeiro dia de vida, seguida do uso de soluções menos concentradas (5%) nos dias subsequentes até a mumificação completa (secagem) do cordão umbilical. A solução poder ser aplicada dentro do cordão umbilical com o auxílio de uma seringa estéril ou o cordão umbilical pode ser mergulhado em um frasco de boca larga contendo a solução de iodo, por cerca de 20 segundos. A antissepsia do cordão umbilical deve ser realizada de duas a três vezes ao dia durante os três primeiros dias de vida e posteriormente pode ser realizada diariamente.

5- Conclusão

Este artigo conclui que o manejo no primeiro dia de vida das bezerras pode ser crucial para a sua sobrevivência.

Autoras do artigo: 

– Viviani Gomes, Professora da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo

– Camila C. Martin, mestranda da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo

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