Brasileiro vai comer feijão chinês e paraguaio

Com o quilo do feijão superando os R$ 10, o presidente interino, Michel Temer, autorizou a liberação de importaçãodo alimento da Argentina, da Bolívia e do Paraguai. A ideia é de que, com mais grãos para abastecer o mercado interno, o preço chegue ao consumidor a um custo mais baixo. Para reforçar a oferta, prejudicada pela perda de produçãonas últimas duas safras devido a fatores climáticos, o governo federal também não descarta a compra do produto no México e na China.O governo vai propor hoje à Câmara de Comércio Exterior (Camex) a redução a zero da alíquota de importação do feijão de qualquer país. Atualmente, é de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC). O Ministério da Agricultura quer a inclusão do produto na lista de exceções à TEC por um período de 90 dias, o que favorecerá a compra da Ásia. “A China já é um dos tradicionais exportadores do grão ao Brasil e poderá se beneficiar com a medida”, sustentou, em nota, o governo.

O anúncio do governo, no entanto, terá pouco efeito prático. Segundo o assessor da Presidência da Federação da Agricultura do Paraná (Faep), Carlos Augusto Albuquerque, países do Mercosul, como Paraguai, Argentina e Bolívia, já têm alíquota zero e, portanto, acesso livre ao mercado brasileiro. Logo, a medida beneficiaria mais o feijão importado da China, o que também não gera benefícios práticos de redução de preços.

“É pura demagogia. A importação vindo da China chegaria aqui em 60 a 90 dias, quando já teremos outra safra. Qualquer compra de um produto de giro rápido, como o feijão, é bobagem. O efeito só vai ser para ter feijão demais quando chegar a próxima safra, fazendo o produtor perder com isso”, sustentou Albuquerque, sem esconder a insatisfação com o anúncio. “O governo está apenas assinando algo que é uma miragem. Quem deu essa ordem não entende de agronomia.”

Abastecimento

O Instituto Brasileiro do Feijão (Ibrafe) reconhece que a importação de feijão ameniza o cenário de pouca oferta no mercado consumidor, mas admite que não resolve os problemas de abastecimento. Segundo o presidente da entidade, Marcelo Lüders, cerca de 50% dos supermercados estão desabastecidos do produto. Ele, no entanto, avalia a medida como positiva para concorrência com o feijão-preto argentino, que, somente nos primeiros cinco meses este ano, respondeu por 80% dos grãos importados, sendo um aumento de mais de 30% apenas em um mês.

Em resposta, o governo federal comunicou que, “com a alíquota zero para países fora do Mercosul, o Brasil vai ampliar as opções de importação do produto de forma a aumentar a oferta no mercado interno e consequente redução dos preços”. A importação de feijão do México, entretanto, ainda depende da assinatura de um acordo sanitário, que está em fase final de negociação para abertura de mercado.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, também reforçou que vai negociar com grandes redes de supermercado para que busquem o produto onde há oferta maior. Sem dar muitos detalhes, ele disse que está envolvido em negociações com cerealistas e grandes supermercadistas para que “possam fugir do tradicional e ir diretamente à fonte para trazer o produto”. Ele ainda destacou que mantém a expectativa de que o preço ao consumidor ceda na medida em que o produto importado chegue aoBrasil.

Artigo de luxo

A decisão de Temer busca atender um anseio da população. Às 12h de ontem, o assunto “Temer baixa o preço do feijão” chegou a ser um dos mais comentados na rede social Twitter. E a demanda das famílias não é à toa. Nos últimos 30 dias, terminados na quarta-feira passada, 15, o preço médio do feijão-carioca registrou alta de 16,38%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). Foi a maior variação observada para o período desde 2012. Em 12 meses, esse crescimento foi de 58,62%.

Como o preço do produto está subindo a galope, alguns consumidores estão trocando o carioca pelo preto, provocando o aumento desse tipo também – avançou 15,77% em 12 meses. A valorização do alimento tem assustado o empresário Francisco das Chagas, 52 anos, que já reduziu o consumo. “Na minha casa, está virando artigo de luxo”, disse.

Em alguns supermercados de Brasília, é possível encontrar o quilo do feijão carioca a R$ 12,99 e pesquisar não tem ajudado muito os consumidores. A esse valor, Francisco prefere trocar pelo feijão-preto. Tenho substituído até por lentilha, que é o tipo de produto que consumia apenas ao fim do ano. Agora, está valendo a pena comprá-lo”, avaliou.

Não são apenas os consumidores que estão preocupados com a alta do feijão. O setor supermercadista também. Que o diga o gerente do Super Veneza, Givanildo de Aguiar. “A intenção de compra diminui. Clientes que compravam entre seis e 10 quilos estão reduzindo os gastos, no mínimo, pela metade”, afirmou ele, que garante: as variações de preços ao consumidor estão muito além do que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – que mede o IPCA-15 – revela.

Ao consultar a matriz de preços de produtos comercializados em 22 de junho de 2015, Givanildo observou que o quilo de uma marca de feijão carioca era vendida, no supermercado, a R$ 3,99. Ontem, o preço desse mesmo produto estava a R$ 10,99, o que representa um aumento de 175,4%. “Isso porque trabalhamos com preço de mercado, sempre procurando oferecer o melhor custo ao nosso cliente. A questão é que os valores dispararam”, disse. De acordo com ele, a saca de 60kg do feijão produzida na área do Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF) – onde produtores tiveram perdas de até 70% na última safra – saltou de R$ 160 em junho passado para R$ 540 este mês. Uma alta de 237,5%.

Clima ainda preocupa

A apreensão dos produtores de feijão persiste. O clima, responsável pela perda de 100 mil toneladas do grão na primeira safra – entre agosto e dezembro, no Centro-Sul, e de outubro a fevereiro, no Nordeste -, e pela quebra de 108,6 mil toneladas na segunda safra – entre dezembro a março -, permanece instável.  A expectativa é de que excesso de chuvas em estados produtores do Centro-Oeste, Sudeste e Sul, e seca no Nordeste, também atrapalhe a terceira colheita que, tradicionalmente, vai de abril a junho, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Além do fator climático, que atrasou o plantio no Nordeste, os analistas da Conab apontam uma dificuldade para a estabilização do mercado e a queda de preços. O aumento da área plantada na terceira safra foi frustrado pela falta de dinheiro e sementes, o que fez os produtores manterem o plantio estável em relação ao anterior.

Os agricultores nordestinos sofrem, ainda, com a falta de água para irrigação.  “Não é nem que esteja faltando, mas níveis dos rios estão baixos”, afirmou o analista de mercado da Conab João Figueiredo Ruas. O problema também é motivo de inquietação para produtores de Cristalina (GO) e Luziânia (GO) – cidades do Entorno do Distrito Federal. “Ali, estão aguardando sinal verde para poder plantar”, acrescentou.

Expectativa 

Quem está torcendo para que o preço do feijão caia é a autônoma Maria José Abdala, 64 anos, que trabalha com a venda de salgados. “Tem que diminuir urgentemente. Na casa da minha mãe, o alimento é essencial nas refeições”, afirmou. Para não abrir mão do feijão, a família reduziu a quantidade levada no carrinho de compra. “E também estamos cozinhando menos. A solução é dar um jeito para não abrir mão totalmente do produto”, disse.

O caminhoneiro Adelaidio Batista, 61, também reduziu o consumo. “Em casa, um quilo de feijão está durando um mês”, contou ele, que mantém as expectativas por uma queda do preço o quanto antes. “Quando mais jovem, trabalhei em lavoura e sei o quanto um bom clima é essencial para a produção. Por isso, espero que chova o suficiente para contribuir com a safra em andamento.” (RC)