Novas cultivares de alface crespa suportam até dez dias mais o calor

Para vencer a barreira do clima e facilitar a produção de alface nas regiões mais quentes do Brasil, pesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF) desenvolveram duas novas variedades de alface crespa de folhas verdes que apresentam tolerância ao calor e ampla adaptação às condições tropicais, independentemente do sistema de produção, seja campo aberto, hidroponia ou cultivo protegido.

Em tempos de mudanças climáticas, as elevações de temperatura nas regiões produtoras de hortaliças têm tornado cada dia mais desafiador o cultivo de algumas espécies que necessitam de clima mais ameno para alcançar seu pleno desenvolvimento. A alface, hortaliça folhosa com origem na região do mar Mediterrâneo, tem sua produção favorecida quando a faixa de temperatura oscila entre 15ºC e 25ºC.

“Essa característica é importante porque altas temperaturas antecipam o florescimento da alface e a produção de látex nas folhas (veja quadro nesta matéria), o que deixa a planta com um sabor bem amargo, indesejado pelos consumidores”, contextualiza o agrônomo Fábio Akiyoshi Suinaga, coordenador do programa de melhoramento genético de alface da Embrapa, que tem entre seus principais objetivos contribuir para a sustentabilidade da cadeia produtiva dessa hortaliça no País.

Mais resistência às principais doenças

Além de tolerantes ao calor, as novas cultivares apresentam resistência às principais doenças da cultura como fusariose e nematoide-das-galhas, característica relevante, tendo em vista que a principal dificuldade que os produtores rurais enfrentam no cultivo de alface é o controle de doenças. Em campo aberto, a alface está sujeita a doenças de solo e doenças foliares e, na hidroponia, ocorrem podridões causadas por parasitas que ficam na solução nutritiva.

Segundo Suinaga, ter resistências incorporadas à genética da planta é um fator favorável à redução do aporte de agrotóxicos nos cultivos de alface, o que soma benefícios para o meio ambiente, mas também para o consumidor, já que a principal forma de consumo são folhas frescas. “Quanto mais tecnologia embutida na semente, menor será o custo de produção do horticultor e melhor a lucratividade dos produtos”, resume.

As duas novas cultivares de alface possuem mecanismos diferentes para burlar o calor e garantir boa produtividade. No caso da cultivar BRS Leila, a tolerância a altas temperaturas acontece porque o material tem, embutido em sua genética, uma estratégia natural para atrasar o florescimento da planta. Assim, quando comparada à cultivar de alface crespa mais plantada no Brasil, a BRS Leila resiste, em média, dez dias mais ao calor antes de iniciar o florescimento.

Alface fica menos tempo exposta ao calor

Já a cultivar BRS Mediterrânea, que traz no nome a memória da origem da espécie, possui uma tática diferente para atingir boa produtividade mesmo diante de condições de temperaturas elevadas: vigor e precocidade. Quando se traça um paralelo com outras cultivares do mercado, ela atinge o ponto de colheita mais rápido, em média, sete dias antes da variedade mais plantada. Assim, por ser mais precoce, com um ciclo produtivo mais curto, ela fica menos tempo no campo exposta ao calor, um fator de estresse para planta que causa o florescimento antecipado.

Ou seja, mesmo em condições de temperatura superior à faixa de temperatura ideal de cultivo, suas plantas atingem o ponto de colheita, com qualidade e padrão comercial, em menor intervalo de tempo. Essa característica também é interessante do ponto de vista do escalonamento da produção, já que o mercado consumidor demanda o produto fresco durante todo o ano.“Outra vantagem de cultivares precoces de alface é que o produtor consegue efetuar mais colheitas durante o ano e utilizar melhor sua área em um mesmo espaço de tempo. A alface é uma espécie de colheita diária. Por isso, na hora de o agricultor fazer o planejamento do seu plantio, ele precisa considerar a demanda do mercado, que deseja produtos frescos. Para conseguir atender essa exigência, é preciso utilizar cultivares precoces, de ciclo médio e de ciclo tardio para ter diferentes tempos de colheita em sua lavoura”, comenta Suinaga ressaltando a importância da produção escalonada.

Parceria com o setor produtivo no desenvolvimento e na validação

As cultivares foram desenvolvidas no âmbito do programa de melhoramento genético de alface da Embrapa Hortaliças, cujo objetivo principal é contribuir com a sustentabilidade da cadeia produtiva de alface no Brasil. A validação foi realizada em conjunto com a empresa Agrocinco, que possui contrato de parceria em Pesquisa e Desenvolvimento baseada na Lei de Inovação Tecnológica.

Na experiência do agrônomo Luís Galhardo, diretor comercial da empresa, que está licenciada para comercialização das sementes das novas cultivares da Embrapa, as alfaces BRS têm ótima capacidade de suportar as frequentes temperaturas altas brasileiras, pois não pendoam facilmente.

“Devido à precocidade e à tolerância ao pendoamento (ou florescimento precoce), o agricultor pode fazer mais plantios na mesma área ao longo do ano e obter melhor eficiência, bem como pode ver ampliado o período de comercialização dos pés, uma vez que as plantas não emitem pendão rapidamente”, comenta Galhardo ao acrescentar que a alface BRS Mediterrânea ainda possui excelente resistência à queima das bordas, conhecida como “tip burn”, um fator associado ao calor que compromete o aspecto visual e a comercialização do produto.

As novas cultivares de alface foram disponibilizadas para o mercado e, segundo o empresário, elas já têm os guias de adubação prontos, inclusive para os períodos de inverno e verão. “No momento, estamos realizando trabalhos de introdução das alfaces BRS nas regiões produtoras e as nossas projeções são de boas taxas de crescimento para esse ano”, sinaliza.

Horticultores aprovam novas alfaces

No Distrito Federal, o senhor Valdecir Grecco é um exemplo de produtor rural que adotou as novas cultivares de alface. Há mais de 50 anos, ele produz diferentes espécies de hortaliças, mas faz 11 anos que decidiu se especializar na produção de mudas e montou um viveiro, cujo carro-chefe são as mudas de alface. “Já completou um ano que estou vendendo mudas das cultivares BRS e elas são excelentes: mais precoces e tolerantes”, opina.

Ele conta que os horticultores da região que compraram mudas das novas cultivares, voltaram para comprar mais. “Os produtores estão gostando porque o retorno deles é frequente. Toda semana, eles retornaram para comprar mais mudas e iniciar novos plantios”, conta Grecco acrescentando que as cultivares BRS não exigem nenhum cuidado especial comparadas aos materiais comumente plantados pelos produtores.

Câmara simula cenários climáticos

Sem diminuir a importância dos testes de validação nas regiões produtoras, nos últimos tempos, a principal ferramenta de avaliação das cultivares pelos pesquisadores, especialmente do ponto de vista da tolerância ao calor, tem sido um equipamento que funciona como um simulador.

“A câmara de crescimento vegetal é um ambiente que simula cenários climáticos futuros. Em um espaço reduzido, é possível testar o comportamento das plantas, cultivadas em vasos, a partir da projeção de diferentes fatores como temperatura, umidade, CO2, radiação, entre outros”, explica o engenheiro-ambiental Carlos Eduardo Pacheco Lima, pesquisador da Embrapa. Nesse ambiente simulado, as plantas são expostas às condições extremas para que se observem quais são as mais resistentes em relação a altas temperaturas e outros fatores como, por exemplo, o déficit hídrico.

De acordo com Pacheco, durante semanas as plantas de alface são testadas na faixa de 30ºC a 35ºC, dia e noite, uma condição drástica que não acontece nas lavouras, já que no ambiente natural as horas mais quentes acontecem durante o dia e as temperaturas noturnas tendem a ser mais amenas. “Com os ensaios na câmara de crescimento vegetal, podemos nos antecipar aos cenários futuros de clima e, assim, termos tecnologia disponível quando as projeções se confirmarem”, ressalta o pesquisador.

As previsões mais otimistas do Quinto Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), apontam aumento de 1,8ºC na temperatura global até o fim do século (2081 a 2100), sendo a referência para comparação o período de 1986 a 2005. No cenário pessimista, o AR5 projeta que o aumento de temperatura global pode chegar a 4,8ºC.

“Em relação ao Brasil, projeções apontam que pode haver um aumento da temperatura média em todas as estações do ano e em todas as regiões, variando de 3ºC a 4,5ºC”, quantifica Pacheco, ao mencionar que as regiões produtoras de hortaliças das regiões Norte e Centro-Oeste, no período do inverno e da primavera, seriam as mais afetadas se as projeções se confirmarem.

“A estratégia mais eficiente para manter a produção de hortaliças nessas regiões críticas, mesmo diante da elevação da temperatura, é o melhoramento genético”, defende o pesquisador, que acrescenta: “cultivares que toleram hoje situações limítrofes associadas à temperatura ficarão ultrapassadas em um curto intervalo de tempo, por isso, é imprescindível a pesquisa antecipar-se às necessidades futuras”.

Presente e futuro da pesquisa com alface

Romper a barreira do clima foi a principal conquista da pesquisa de melhoramento genético de alface. “Houve um esforço para adaptar a espécie às condições tropicais do nosso País, principalmente pelo efeito ocasionado pelas altas temperaturas no florescimento antes da hora e no amargor nas folhas”, explica Suinaga.

Em um cenário de mudanças climáticas e elevações de temperatura nas regiões produtoras, é primordial que a pesquisa desenvolva alfaces tolerantes ao calor e também mais precoces para que elas atinjam o ponto de colheita, com qualidade e padrão comercial, em um menor intervalo de tempo. “A precocidade também está associada à menor demanda hídrica da cultivar, o que contribui para a sustentabilidade no campo”, assinala o pesquisador.

No Brasil, o plantio de alface está concentrado em “cinturões verdes”, áreas com lavouras próximas aos centros consumidores porque a alface é muito perecível e exige refrigeração, um gargalo do sistema de logística brasileiro. Para o horizonte de médio prazo, a pesquisa tem trabalhado para disponibilizar cultivares de alface com folhas pouco mais espessas e com maior tempo de conservação após a colheita. “Nós compramos alface pela aparência e ela não pode estragar de um dia para o outro, ainda mais se quisermos atingir mercados mais distantes”, avalia o pesquisador, ao antecipar que a próxima tecnologia lançada deve ser uma nova cultivar de alface do tipo americana.

Fonte: Embrapa Hortaliças Por Paula Rodrigues