Soja: Na entressafra, Roraima surge como nova fronteira agrícola

Estado chama atenção por seguir calendário norte-americano e apostar na engorda de bois como segunda safra.

O plantio é entre maio e junho e a colheita começa em setembro. Poderia ser uma lavoura norte-americana, mas não é. Localizado acima da linha do Equador e com um calendário inverso ao restante do País, Roraima chama a atenção de novos investidores. O agronegócio começa a ser desenhado no Estado localizado na região Norte, que somente nesta safra aumentou em 28% a área plantada de soja convencional, passando de 25 mil hectares em 2016 para 32 mil hectares. Já a expectativa para a próxima safra é alcançar 50 mil hectares. O Estado tem 7,5 milhões de hectares em área de Cerrado, dos quais 2 milhões podem ser aproveitados para a agropecuária.

“O agronegócio ainda é incipiente por aqui e há muito para crescer e desenvolver. Mas resolvemos investir e apostar nessa região. Ainda não fazemos segunda safra. O que parece mais viável, por enquanto, é a engorda de bois depois da colheita da soja”, afirma o produtor Geraldo Falavinha, que planta soja, milho e algodão em cerca de 20 mil hectares em Diamantino (MT).

Ele conta que veio de Santa Catarina e chegou ao Mato Grosso há 32 anos como agricultor familiar. O Grupo Falavinha, composto por Geraldo e pelos irmãos, comprou em 2012 quatro mil hectares em Alto Alegre, próximo da capital Boa Vista. Em 2013 plantaram a primeira safra de soja em Roraima. Este ano, depois da soja colhida, vão plantar capim e deixar os bois para engordar por 60 dias na propriedade.

“Não temos como comparar com a potência que é o Mato Grosso, mas, se der tudo certo, Roraima pode chegar a plantar 1 milhão de hectares  nos próximos anos e se tornar efetivamente uma nova fronteira agrícola”, avalia o produtor Geraldo Falavinha. Em relação à produtividade, ele afirma que alguns talhões em Roraima conseguem alcançar o mesmo resultado que no Mato Grosso. “No entanto, a média de produtividade ainda está muito distante de um estado para outro, porque isso demanda tempo, desenvolvimento de novas tecnologias e variedades adaptáveis para a região”, afirma.

Para Falavinha, a irrigação pode ser um caminho para tornar possível uma segunda safra em Roraima com o feijão-caupi e algumas variedades de milho mais precoce. “Será um grande trunfo se as autoridades investirem no melhor fornecimento de energia elétrica. Assim, poderemos contar com irrigação e planejar até uma terceira safra”, avalia.

Com os preços baixos da terra (com o mesmo valor pago por 1 hectare em outras regiões agrícolas é possível comprar 20 hectares em Roraima), o clima bem definido e um solo que já permite plantar soja desde a primeira safra, Roraima chama a atenção por ter maior tempo de luminosidade (cerca de 12 horas – uma hora a mais que outras regiões) e pela chuva constante entre maio e agosto, no período de desenvolvimento do grão. “É preciso muita pesquisa, mais variedades que se adaptem ao Estado, tecnologia, suporte técnico, mas estamos confiantes. O plano é plantar também algodão no futuro”, afirma Falavinha.

Quem está há mais tempo no Estado já encontrou uma fórmula para ter safra o ano todo. O produtor Genor Luiz Faccio, que chegou ao Estado em 1979 para trabalhar como técnico agrícola, planta arroz irrigado, soja, milho para grãos e silagem de animais e ainda cria e engorda bois. “A terra está o tempo todo com alguma cultura ou boi em cima”, diz. Ao todo, são 2,1 mil hectares de soja, 600 hectares de milho e 2,5 mil hectares de arroz. Depois entra o gado na resteva deste cereal. O início foi com o arroz, hoje com marca própria. Faccio produz, transporta e beneficia em torno de 360 mil fardos do cereal por ano que são vendidos no atacado e consumidos na região.

No último período foram confinadas 900 cabeças de gado bovino. A intenção é chegar a duas mil cabeças no próximo período de seca no Estado. Segundo Genor, as condições para investir no agronegócio no Estado são ótimas. “O clima é muito bem definido no período de chuvas e de estiagem (setembro até março). Costumo brincar dizendo ‘bendita seja a seca para o nosso arroz de cada dia”, diz.

Para as culturas de sequeiro como a soja e o milho, a janela de plantio tem chuva garantida entre maio e junho. O produtor explica que é possível, no primeiro ano de colheita, uma produtividade de 50 sacas por hectare. Isso porque as terras não têm toxinas, não têm problemas com alumínio e respondem muito bem na adubação. “No entanto, ainda enfrentamos algumas dificuldades como a questão fundiária, já que boa parte ainda não está regularizada e há ainda o fato de o Estado não ter matriz própria de energia elétrica”, acrescenta.

Os sócios Geison Nicaretta e Alcione Nicolette chegaram a Roraima em 2013. Eles saíram de Lucas do Rio Verde/MT, onde eram funcionários de uma empresa de insumos, para empreender no Estado. Mudaram com a família, compraram 1.830 hectares e, no primeiro ano, plantaram 900 hectares de soja, número que chega hoje a 2,4 mil hectares cultivados. No segundo ano de plantio, observaram a dificuldade em comprar insumos e a falta de suporte técnico para os produtores, percebendo assim a oportunidade de montar uma empresa neste segmento. “Em 2015, conseguimos financiar insumos para 70% dos produtores do Estado e na safra 2016/2017, começamos a fazer o barter (pagamento pelo insumo através da entrega do grão na pós-colheita)”, diz Nicaretta. Para 2018, a expectativa é de crescer entre 20 e 25% tanto na produção como na empresa de insumos.

Segundo o produtor e engenheiro agrônomo Geison Nicaretta, a região em torno da capital Boa Vista se assemelha muito ao Cerrado do Mato Grosso. “Ficamos surpresos porque são áreas fáceis de serem abertas, diferentes de outras fronteiras agrícolas. Aqui o solo quase não tem acidez e a correção com calcário serve para suprir cálcio e magnésio”, avalia. Nicaretta conta que muitos investidores aproveitam o calendário de entressafra nas demais regiões produtoras para otimizar maquinários que estariam parados, colocando-os em operação em Roraima.

As lavouras no Estado ainda estão livres de doenças como ferrugem asiática. Nicaretta explica que é necessária uma adequação dos materiais de soja, mas que já surgem algumas variedades com ciclo de 90 a 100 dias com produtividades compensadoras. “Como plantamos soja convencional, conseguimos uma rentabilidade maior. Meu pai e irmão plantam soja em Campos de Júlio (MT). Comparando com o que recebemos por aqui, a nossa média é 10% maior”, afirma.

Cerca de 80% da soja plantada em Roraima é convencional, o que confere ao produtor maior rentabilidade. Segundo Antônio Denarium, presidente da Comissão Organizadora da Colheita da Soja – evento que deu início à colheita do grão no Estado – paga-se um prêmio pelo grão não transgênico. Em média, o valor total pago é de R$ 80,00 o saco, mas, com a oferta maior, o valor hoje está em torno de R$ 74,00.

Para esse ano, os sócios Nicaretta e Nicolette vão apostar na integração lavoura-pecuária como opção de safrinha. “Depois da colheita da soja, vamos plantar braquiária e milheto para cobertura do solo e engorda dos bois. Com a construção e funcionamento de um frigorífico, a expectativa é muito boa porque teremos um local próximo para abater os animais”, afirma.

Com investimento de cerca de R$ 40 milhões, o Frigo10, frigorífico composto por 10 empreendedores entre agricultores e pecuaristas, deve entrar em operação antes do final deste ano. A nova estrutura terá capacidade para abater até 120 animais por hora e deverá incentivar a integração lavoura-pecuária no Estado, segundo Antônio Denarium, presidente-diretor do Frigo10. “Os produtores vão contar com uma das mais modernas estruturas para o abate de animais do Brasil”, acrescenta. Desta forma, o objetivo é atender também ao mercado externo como a Venezuela e a China. O rebanho em todo o estado é de cerca de um milhão de cabeças.

Além da carne, a exportação de soja e milho também é mais um atrativo para quem produz em Roraima. As empresas transportadoras aproveitam a janela de entressafra no restante do País ao custo médio de R$ 150,00 a tonelada do grão – considerado preço justo pelos produtores. A safra é escoada pela BR 174 toda asfaltada e em cerca de mil quilômetros. “Em apenas um dia, o produtor consegue colocar o seu produto no Porto de Itacoatiara, no Amazonas, para seguir em direção à Ásia e à Europa por meio do Canal do Panamá. É um grande diferencial competitivo para nós”, afirma Denarium. Com uma nova rota, que é o asfaltamento da divisa do Brasil até a capital da Guiana Georgetown, estima-se uma redução de até 15 dias de transporte por meio do Canal.

De acordo com Denarium, estudos constataram ainda que o teor de óleo da soja plantada na linha do Equador é de 23%, superior ao encontrado na soja argentina com 18% e, no Mato Grosso, que fica em torno de 20 a 21%. “Portanto, nossa soja tem potencial para o melhor aproveitamento para a produção de óleo e farelo”, acrescenta.

Fonte: Portal KLFF