Articulação discute ações contra fome e desperdício de alimentos

Workshop reuniu representantes do terceiro setor, varejo, governo e startups para apresentar levantamento realizado com contribuições da Embrapa e propor ações

Instituto Península, organização do terceiro setor fundada em 2011 pela família do empresário Abílio Diniz, reuniu em 11 de novembro, em São Paulo (SP), representantes de ONGs, governo e líderes empresariais para apresentar os resultados do mapeamento sobre fome e desperdício de alimentos no “workshop fome e abundância: incoerência brasileira”. Todos os participantes foram testados para Covid-19 antes do evento.

O estudo realizado, que contou com contribuições da Embrapa Alimentos e Territórios (Maceió – AL), estima que uma redução de 10% das perdas e do desperdício de alimentos no Brasil resultaria em incremento de oferta suficiente para suprir as necessidades nutricionais dos 19 milhões de brasileiros que ainda passam fome.

“Ganho de 10% de eficiência já resultaria em volume de alimentos necessários para neutralizar a fome no Brasil, mas há o desafio logístico. Perdas e desperdício não necessariamente ocorrem onde a fome é maior”, destaca a economista Geyze Diniz, do conselho diretor da Península Participações.

Os especialistas ponderam que políticas públicas são muito importantes para o enfrentamento da fome e do desperdício, mas toda a cadeia produtiva precisa ser corresponsável por estes desafios. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foram citados como políticas que precisam ser fortalecidas.

Para Abílio Diniz, sem políticas públicas de Estado não há resultados expressivos no combate a grandes desafios como fome e desperdício, mas a sociedade como um todo precisa pensar e pôr em prática soluções para fortalecê-las. “Desde o início da pandemia participei de 71 lives, sempre mostrando esperança de que o mundo seria mais solidário pós-pandemia, mas o mundo será o mesmo. Temos, no entanto, muitas iniciativas positivas acontecendo, e enfrentar fome e desperdício precisam ser prioridades brasileiras”, salienta.

O interesse pelos desafios de enfrentar a fome e o desperdício teve início a partir do UniãoSP, movimento voluntário da sociedade para fortalecer o combate ao coronavírus no Estado de São Paulo. A campanha “Panela Cheia Salva”, idealizada pela Agência Africa a partir de articulações da Central Única das Favelas (CUFA), Gerando Falcões, Frente Nacional Antirracista e movimento UniãoSP, arrecadou R$280 milhões nos quatro primeiros meses.

“A partir dessa mobilização, pensamos no que mais poderia ser feito. Partimos, então, para o mapeamento dos problemas para termos um plano de ação mais estruturado”, conta Ana Maria Diniz, presidente do Instituto Península. “Embora saibamos que gerar renda e emprego seja uma solução, a dignidade do ser humano precisa estar no centro do debate”, complementa Geyze.

A partir do mapeamento realizado pela Consultoria do Amanhã e Integration, que, ao longo de seis meses, entrevistou 25 especialistas nas temáticas e organizou dados secundários sobre fome e desperdício, o Instituto Península busca unir parceiros para articular ações de médio e longo prazo.

Enfrentamento do desperdício

Para o analista Gustavo Porpino, que representou a Embrapa no workshop em São Paulo (SP), a articulação de acordos voluntários multissetoriais para o enfrentamento do desperdício e o fortalecimento da segurança alimentar, é um caminho viável para o Brasil avançar mais rapidamente.

“Além do imperativo de políticas públicas de Estado, parcerias público-privadas já geraram bons resultados no Reino Unido e Holanda, e novos acordos entraram em execução neste ano na Indonésia, África do Sul, Austrália e México. Essas iniciativas têm governança que favorece ações interministeriais com participação do terceiro setor, varejo e indústria. São bons casos para o Brasil se espelhar e adaptar para nossa realidade”, propõe Porpino.

Ceasas, feiras livres e supermercados

Os participantes concordam que reduzir o desperdício das Ceasas, feiras livres e supermercados, por exemplo, gera oportunidades de redistribuir parte do que seria desperdiçado para bancos de alimentos. Para os representantes da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), o enfrentamento do desperdício no varejo pode ser fortalecido também por novas regulamentações sobre prazo de validade dos alimentos e fomento a Rede Brasileira de Bancos de Alimentos.

“Reduzir desperdício é uma das prioridades do setor de abastecimento e estamos engajados em contribuir com soluções”, ressalta Rodrigo Segurado, vice-presidente da ABRAS.

Governança ainda é um desafio

“Toda a agenda que envolve alimentos precisa ser fortalecida e os governos devem mostrar compromisso e dar exemplos”, pondera o chef David Hertz, fundador da Gastromotiva. “As soluções precisam de pensamento sistêmico e investimentos de médio e longo prazo”, complementa.

Para Ricardo Henriques, diretor do Instituto Unibanco, as ações para enfrentamento da fome e do desperdício carecem de melhor coordenação e planejamento que leve em conta a territorialização. “O Cadastro Único já serve para dar uma visão da diversidade do Brasil e mostrar onde o problema está”, diz. Outros desafios do modelo de governança são integrar ministérios, níveis de governo e envolver mais a sociedade civil.

O enfrentamento ao desperdício de alimentos é tema de dois Grupos de Trabalho lançados recentemente com participação da Embrapa. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio do Conselho de Desenvolvimento Sustentável do Agronegócio, está elaborando um plano de ação com contribuições da Embrapa, CONAB, Ministério da Cidadania, ABRAS, ABIA, entre outros colaboradores. Paralelamente, a ONU Meio Ambiente iniciou um comitê latino-americano para delinear estudos de mensuração do desperdício nos elos de varejo e consumo. Os grupos terão atuação de seis meses.

Fonte: Embrapa Alimentos e Territórios