Eliseu Alves faz 90 anos contribuindo para o agro e para o Brasil

Eliseu Alves, um dos fundadores, ex-diretor e ex-presidente da Embrapa, fez 90 anos no domingo, 27. Ele segue na ativa, assessorando a diretoria-executiva, realizando pesquisas e contribuindo com a evolução da agricultura.

Eliseu foi criado em fazenda e se apaixonou pela matemática, pelos desafios, pela ciência e pelo avanço do conhecimento. Entrou na extensão rural quando ela estava surgindo no Brasil e, na falta de informação suficiente por aqui para avançar, foi buscar onde havia, naquele momento: fez mestrado e doutorado nos Estados Unidos. Voltou com prestígio suficiente para se envolver no projeto de uma vida: a criação da Embrapa. Considerado personagem-chave da modernização da agricultura brasileira, particularmente por seu papel na construção de um sistema público de pesquisa agrícola que tornou o Brasil um gigante na produção de alimentos, Eliseu segue contribuindo para pensar o agro e o Brasil.

O presidente da Embrapa, Celso Moretti, diz que “Eliseu tem uma inteligência extremamente privilegiada. Tem raciocínio lógico, rápido, matemático. Mais que brilhante, é visionário. Há décadas, ele tinha clareza de que, se o Brasil não fizesse nada para começar a desenvolver uma agricultura tropical baseada em ciência, a população não teria segurança alimentar”.

Para Moretti, poucas pessoas, como Eliseu, têm a capacidade de antever o futuro e agir, mesmo num ambiente complexo e de muitas incertezas. “Ele tem algo muito interessante. Fica questionando, questionando, pedindo seu argumento. Faz para aprender e, ao mesmo tempo, te obriga a refletir. Ele é um dos grandes responsáveis pela Embrapa ter surgido e ser o que é hoje. Aos noventa anos de idade, suas ideias e preocupações, como a pobreza rural e as imperfeições de mercado, permanecem mais atuais do que nunca”, completa.

O presidente da CNA, João Martins da Silva Júnior, na entrega do prêmio CNA a Eliseu Alves, em dezembro de 2019, citou a “brilhante trajetória como pesquisador, fundador, diretor e presidente da Embrapa, além de presidente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf)” e destacou sua contribuição com “mais de 200 trabalhos publicados sobre o desenvolvimento de tecnologias e estudos a respeito da pobreza rural, em 62 anos dedicados à pesquisa agropecuária”.

O foco principal de Eliseu Alves, hoje, é a pobreza rural. Eliseu conta que o tema o mobiliza desde o início dos anos 1990. O período como presidente da Codevasf o deixara muito impressionado com a realidade do Nordeste. O desafio, desde então, é analisar o que causa a pobreza no campo. Ele fala hoje que o que sabemos, com certeza, é que está se agravando. Muito pouca gente responde pela maior parte da produção. ” Ele diz que os números indicam que um pequeno número de estabelecimentos gera a maior parte da produção.

Eliseu lamenta que “o milagre do agronegócio não chegue na maioria dos estabelecimentos. Creio que muitos poucos agricultores vão continuar respondendo pela maior parte da produção do Brasil. ”

O ex-presidente da Embrapa conta que pensa em voltar à sede da Embrapa assim que possível. Até lá, segue trabalhando normalmente com uma pequena equipe de Economia Rural, assessorando a diretoria, pesquisando sobre pobreza rural, produzindo o capítulo de um livro e inspirando todos os que buscam ajuda.

Perfil

Eliseu Alves é engenheiro agrônomo, pela Universidade Federal de Pelotas, Ph.D em Economia Agrícola pela Purdue University Indiana, mestre em Agricultural Economics pela Purdue University Indiana (1968). Desde 1955 é servidor público. De 1955 a 1973 ajudou a consolidar o serviço de extensão rural e depois, como integrante de um grupo de cientistas sociais, ajudou conceber e formular o modelo da Embrapa.

Foi chefe do departamento de planejamento e avaliação da ACAR MG, hoje, Emater MG, de 1968 a 1973. Foi diretor da Embrapa de 1973 a 1979; presidente da Embrapa de 1979 a 1985; presidente da Codevasf de 1985 a 1989; Secretário Nacional de Irrigação em 1989. Desde 1990 é assessor da Presidência da Embrapa de 1990-2010.

Eliseu foi professor de Administração, Economia Rural Estatística, Microeconomia e Política Agrícola em diversos cursos e universidades. Orientou teses em nível de mestrado e doutorado.

Como diretor da Embrapa, concebeu e executou o programa de pos-graduação da Empresa, que virou referência em capacitação. Como presidente da Codevasf, criou o conceito do distrito de irrigação, pelo qual os projetos públicos passaram a ser administrados pelos irrigantes. Criou e implantou o programa de exportação de frutas e negociou empréstimos com o Banco Mundial, BID e governo japonês que permitem a expansão de mais de cem mil hectares de área irrigada. Dá assistência a diversos governos, na condição de consultor do BID, Banco Mundial e FAO.

Desde então, e ainda hoje, aos 90 anos, participa ativamente de reuniões, dá sugestões, recomendações e pareceres com base em sua experiência e conhecimento. Ele segue ajudando a Empresa a aprimorar os atributos originais e ajudar na definição dos rumos.

Eliseu Alves contribuiu com a implantação da extensão rural no Brasil, apostou em capacitação de cientistas para tornar o Brasil um dos maiores produtores de alimentos do mundo e teve papel fundamental na aurora da exportação de frutas no Nordeste.

Os artigos que produz regularmente despertam interesse imediato de quem pensa a grande agricultura. Dirigentes da Embrapa, ministros, ex-ministros, lideranças de organizações, produtores rurais, todos têm carinho por este senhor de passo lento e pensamento ágil que continua distribuindo lições de vida e palavras sábias. Como forma de ajudar, cedeu o nome para uma fundação criada com o objetivo de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e desenvolvimento institucional, científico e tecnológico – a Fundação Eliseu Alves.

Eliseu é uma instituição da agricultura nacional. Apesar de isso sugerir distanciamento, quem o conhece sabe que é capaz de estabelecer amizade facilmente. Eliseu recebe todos com sorriso e interesse. Demonstra genuína alegria em ajudar quem vem buscar algum tipo de orientação, informação ou simplesmente prosear. Tem o dom de iniciar conversas animadas com qualquer um que tenha interesse em ciência, pesquisa, agricultura, matemática, religião e vários outros assuntos. Se você encontrar com ele no térreo da sede da Embrapa e puxar uma conversa, abandona o rumo. E ainda convida: “Vamos para minha sala, mas não de elevador. Escada é melhor para a saúde”.

Depoimento: Motivos e fundamentos da criação da Embrapa, por Eliseu Alves

“Em meados da década de 1960 e início dos anos setenta, os preços dos alimentos dispararam, como consequência da explosão das demandas interna e externa e falta de resposta adequada da agricultura. A dívida externa começava escapar ao controle. Sob a liderança do ministro Delfim Netto, decidiu-se mudar a política agrícola, que passou as preocupar com a produtividade da agricultura e exportações agrícolas. Por iniciativa do ministro Cirne Lima, foi criado, no Rio de Janeiro, sob a administração da ABCAR, um grupo de trabalho para estudar porque a agricultura não respondia adequadamente aos estímulos de preços, mesmo com a expansão da fronteira agrícola. Parte dos membros do grupo pertencia à equipe do ministro Delfim Netto e parte à ABCAR, sendo o líder do grupo o professor José Pastore. O grupo rejeitou a hipótese da existência do estoque de conhecimentos, e concluiu que era necessário investir pesadamente na geração de conhecimentos e reformular a pesquisa do Ministério da Agricultura. A criação de uma nova instituição de pesquisa foi proposta ao Ministro Cirne Lima, que a aceitou, sendo ela logo viabilizada, no governo Garrastazu Médici, pelo Ministro Delfim Netto. Em dezembro de 1972, o Congresso Nacional aprovou a criação de uma empresa pública, de direito privado, a Embrapa, para gerar a tecnologia que a modernização da agricultura requeria. Na época, algo inacreditável, e que viria ter enorme impacto na agricultura brasileira. A Embrapa foi instalada em 26 de abril de 1973.

Entre os princípios da Embrapa se destacam: presença física em todo o território, com visão nacional; unidades de pesquisa especializadas em produtos, biomas e temas, com o mandato de resolver problemas dos agricultores, no âmbito da sua especialização; laboratórios de nível internacional e cientistas competitivamente pagos, também de nível internacional, abrigados numa carreira que estimula a inovação e o desejo de progredir sempre; presença marcante na área internacional, nos centros avançados de ciências agrárias e universidades; parceria com as universidades brasileiras e iniciativa particular, regida por contratos e baseada em problemas bem delimitados; a pesquisa começa com um problema do agricultor e termina com tecnologia na sua mão, e é sempre retroalimentada; prestação de contas à sociedade, nos níveis federal, estadual e municipal, urbano e rural; mostrar rigorosamente quanto cada real investido na Embrapa rende; ser um dos braços do governo federal em ciências agrárias aplicadas e responder as suas demandas, no campo de seu mandato”.

Fonte: Embrapa