Feijoa: nativa do Brasil, sucesso lá fora

Se você morasse na Nova Zelândia, provavelmente já teria tomado suco de feijoa ou, pelo menos, saberia que comer torradas com sua geleia é uma boa pedida para o café da manhã. No Rio Grande do Sul, o fruto que, por fora, parece uma goiaba simples, mas é azedinho e agridoce por dentro, é tido como estrangeiro, mas na verdade é prata da casa.
A goiaba-do-mato, goiaba-serrana ou feijoa, que encanta os consumidores ao redor do mundo pelos benefícios gastronômicos, ornamentais e medicinais, é um prato cheio para o comércio e pesquisas acadêmicas. Por aqui, é capaz de passar despercebida na serra gaúcha, no Paraná, em Santa Catarina e no Uruguai, onde é nativa.
Não é de graça que essa injustiça é cometida com a Acca sellowiana (nome científico da planta). A falta de valorização dos alimentos locais é uma questão histórica, explica a engenheira agrônoma e professora da UFRGS Ingrid Bergman Inchausti de Barros.
– Não acreditamos no potencial desses alimentos porque temos um espírito colonial, achamos que o que vem de fora é melhor. Nossa cultura alimentar é muito padronizada em cima da culinária europeia. Falta valorizar o que é nosso – diz a pesquisadora.
Bem explorada comercialmente nos Estados Unidos, na Colômbia e na Nova Zelândia, a fruta também serve de matéria-prima para sorvetes, espumantes, vinhos e outros produtos derivados, como néctar, molhos e alimentos processados. Na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, o tema instigou pesquisadores da nutrição a testarem seu potencial anti-inflamatório e antioxidante em relação a outras frutas, como amora, manga, framboesa e morango. A pesquisa identificou que a feijoa possui – sobretudo na casca – efeito antioxidante maior do que as demais.
– A feijoa é conhecida por ter elevada quantidade de polifenóis, tais como os flavonoides, responsáveis para os efeitos anti-inflamatórios – diz Lynn Ferguson, nutricionista da universidade.
Pesquisa sobre a fruta ainda engatinha no país
No Brasil, a presença da goiaba- serrana é mais comum em áreas com altitudes superiores a 900 metros e com formação de bosques e matas de araucária. As flores aparecem nos meses de outubro a dezembro, e os frutos, em seguida. Ficam em Santa Catarina os principais centros com experimentos agronômicos com a fruta. Em 2011, um capítulo do livro Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial – Plantas para o Futuro, produzido por pesquisadores do Estado vizinho, tratava do tema. O texto abordava o potencial inexplorado da feijoa e a boa aceitação que teria entre os consumidores locais.
– Trabalhos mais avançados para o Brasil são bem recentes e incipientes perto dos estudos já feitos nos Estados Unidos e na Nova Zelândia. Queremos ter uma base genética para, futuramente, começar estudos de preservação – afirma Ingrid.
Em cidades pequenas do interior, onde realiza saídas de campo com seus alunos, a professora costuma encontrar produtos à base de feijoa em pequenos mercados e feiras orgânicas. A demanda ainda pequena faz o alimento ser classificado como aqueles “do tempo da avó”. Ela compara o fruto ao butiá, outro produto local com produção de base familiar.
– Vamos esperar que outro país ou um chef na televisão valorize essa fruta para nos dar conta que isso é nosso e é bom? – questiona.
Recente discussão ocorrida no Brasil sobre o marco legal da biodiversidade suscita reflexão sobre direitos de exploração de bens naturais como a feijoa.
– Empresas fabricam produtos sobre o patrimônio genético de outro país e passam a faturar bens econômicos e não econômicos advindos desse negócio. Ignoram-se os conhecimentos locais da população e deixam-se os povos vulneráveis a esse tipo de exploração. A falta de guardiões locais da biodiversidade, o empobrecimento e a redução dessas populações deixam cada vez mais vulnerável esse patrimônio – diz o assessor jurídico da ONG Terra de Direitos, André Dallagnol.
A engenheira agrônoma do Núcleo de Agroecologia da Secretaria do Desenvolvimento Rural Agda Regina Yatsuda Ikuta explica que, para ser difundido em outros países, o alimento passou por cruzamentos e melhoramentos genéticos para adaptar-se ao clima.
Fonte: Zero hora