Iniciativas bem-sucedidas do uso de butiá no Rio Grande do Sul

Uma é agricultora. O outro, chefe de cozinha. A terceira é designer de moda. O que têm em comum essas pessoas?

Todas encontraram uma maneira de utilizar em seus trabalhos a fruta que é símbolo do Rio Grande do Sul: o butiá. Eles integraram a pesquisa “Diagnóstico de extração, processamento e comercialização de produtos oriundos de butiazais no RS”, desenvolvida por pesquisadores do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (DDPA/Seapdr), coordenada pela médica veterinária, mestre em Desenvolvimento Rural e doutora em Gestão, Larissa Ambrosini.

Durante o estudo, foram feitas entrevistas qualitativas para descrever iniciativas bem- sucedidas e os usos menos comuns cuja matéria-prima fosse oriunda de butiazeiros.

Família Bellé Agroecologia & Agroindústria 

O embrião da Família Bellé Agroecologia & Agroindústria foi o desejo do agricultor Nélio de buscar saúde para sua família, há mais de 30 anos. Ele, junto com os pais e irmãos, notou que as pessoas estavam morrendo na região por causa do uso de agrotóxicos. Começou então uma retomada com a natureza.

Hoje, na localidade Linha Silva Tavares, município de Antônio Prado, ele gerencia a propriedade de 3,75 hectares com a filha Franciele, a esposa Aldaci e o genro Rodrigo em um sistema agroecológico, agroflorestal e orgânico. Também utilizam 6 hectares do irmão para plantar. O destaque é na produção orgânica e na oferta de Plantas Alimentícias Não-Convencionais (Pancs) e de frutas nativas como butiá, guabiroba, araçá, entre outras.

As frutas são processadas na agroindústria, que foi a primeira no Rio Grande do Sul a obter o registro do suco de butiá (como bebida) no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 2011.

Foi por volta do ano de 2000 que começou o trabalho com as frutas nativas, onde entrou o butiá. “O butiá sempre foi uma fruta muito querida das pessoas. Hoje ele é tido como a fruta dos gaúchos. No início tudo era feito através de extrativismo. Mas eram poucos pés e pouca fruta”, comenta Franciele.

“Hoje temos mil árvores, que têm de 10 a 15 anos (as mais velhas) e de 1 a 5 anos (as mais novas). Mas ampliamos a produção em 2011 graças a uma parceria com um produtor do município de Pinhal da Serra”, que possui 20 hectares de butiazais, que têm de 200 a 300 anos, acrescenta a agricultora. Conforme ela, a produção no primeiro ano foi de 500 quilos da fruta. No ano seguinte, uma tonelada e, depois, o aumento foi gradual. “Em 2022, se tiver produção (por causa da seca, talvez não tenha), a gente pretende comprar 4 toneladas para processar”, espera a agricultora.

Franciele explica que no início eles não sabiam como produzir. “Meus pais começaram a produção com a polpa congelada. Mas, pra isso, precisa ter uma grande estrutura de congelamento, e a gente não tinha na época”. Então, conforme ela, passaram a engarrafar o produto. “E aí surgiu a bebida. Mais tarde começou a se engarrafar também a polpa nos potes de vidro”.

“A partir daí evoluímos bastante, tanto no consumo, quanto na produção. Hoje processamos e vendemos a polpa de butiá para todo o Brasil, com foco em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Brasília (DF), além do Rio Grande do Sul. E temos convite para exportar para a França, Canadá e Inglaterra. Porém ainda é pouco. O consumo é relativamente baixo e um reconhecimento por parte dos produtores mais baixo ainda”, lamenta Franciele.

Porém, de acordo com ela, a demanda pelos produtos e o valor agregado existem, mas ainda há preconceito por ser uma fruta nativa, por ter um cultivo relativamente fácil. “O agricultor tem dificuldade em entender que essas frutas nativas não servem só para alimentar os bichos, mas que também podem ser comercializadas, processadas para agregar valor para as famílias”, comenta Franciele. “A gente observa que famílias que começam a trabalhar com frutas nativas têm uma elevação na renda, porque é uma cultura que não demanda muito manejo, nem muitos insumos, nem muita mão de obra. É uma cultura de fácil cultivo”, acrescenta.

De acordo com ela, o butiá é uma fruta versátil. Pode ser utilizada em infusões alcoólicas e não alcoólicas; pratos doces e salgados, como sorvete e molhos que servem como acompanhamento de carnes como frango, gado e porco.

Existem pesquisas que falam sobre o butiá e suas potencialidades. “Sabemos que ele tem um potencial gigantesco, tanto para questões nutricionais, quanto de saúde. Por isso busquei a faculdade de Nutrição, para aprimorar os conhecimentos e para poder ajudar cada vez mais as pessoas a terem uma melhor qualidade de vida e aprimorar cada vez mais os nossos produtos”, conclui a agricultora.

Chefe de cozinha Carlos Kristensen

Outra iniciativa bem-sucedida com o uso do butiá é a do chefe de cozinha Carlos Kristensen, responsável pela marca Internacionalmente Local, e que conduz o UM Bar&Cozinha, e o Hashi Restaurante em Porto Alegre. Ele desenvolve em seus restaurantes e através da sua marca um trabalho de priorização e valorização das matérias-primas locais, oriundas de propriedades familiares e com manejo sustentável.  Entre essas matérias-primas está o butiá, que é utilizado de forma original em pratos salgados, sobremesas e drinks.

“Nossa cozinha começa no campo, no produtor. A pesquisa do DDPA reforçou o que a gente já sabia. E é importante conhecer e estar inserido nessa cadeia produtiva. Antigamente a gente ficava na cozinha esperando o ingrediente chegar”, conta Kristensen. “A partir de 2011, fiquei inquieto com isso e passei a ir ao interior pra conhecer de onde vinham os produtos, quem produzia”.

Assim nasceu o Internacionalmente Local, um projeto que visa trabalhar junto com o produtor artesanal, gerar uma demanda pelas cozinhas dos restaurantes, e mostrar formas criativas e de uso pelo cliente. “A ideia é aproximar essa cadeia produtiva do consumidor final, fazendo com que esse ciclo faça sentido pra todos: quem produz, quem prepara e quem come. O Internacionalmente Local nasceu então dessa inquietude de buscar o alimento na fonte, de poder conhecer as pessoas, os produtores”, diz o chefe de cozinha.

Sobre o uso do butiá, Kristensen avalia que ainda é restrito. “A gente começou a usar a fruta em 2011, 2012. Começamos a trazer o butiá para dentro das cozinhas e testar o comportamento dele. Fizemos uma pesquisa de como ele se comportava no doce e no salgado, e acabamos elencando alguns produtos que fazem sentido pra gente e hoje são sucesso: um é a mostarda de butiá, o nosso principal produto feito com a polpa”.

O empório Internacionalmente Local consome atualmente em torno de 50 quilos de polpa por mês. “Um tanto pra fazer a mostarda, que é nosso carro-chefe e usamos em vários pratos no restaurante. Um deles é o Holandese de butiá. Também tem o sorvete de butiá, entre outros pratos. A mostarda é picante e ácida e levemente adocicada. Ela foi o início de tudo, lançada em 2012. Pode ser consumida com carnes, pães e batatas, entre outros alimentos. Também em bebidas, como gin tônica de butiá”, diz o chefe de cozinha.

Segundo ele, as pessoas se espantam quando veem os pratos e sobremesas feitas com a fruta. “Butiá? Nossa! Nunca provei assim”! “Então, realmente tem uma novidade ainda e soa estranho. Mas é uma fruta nativa, de fácil acesso, não é cara, nem exótica”, comenta Kristensen. “A gente explica para o cliente da onde vem o ingrediente, como é produzida a polpa, como fazemos o produto, para que a pessoa entenda o todo da cadeia produtiva. Assim, ela passa a valorizar mais o que está comendo, ela vê no produto o trabalho de muita gente, o esforço do agricultor. Isso passa a fazer mais sentido. As pessoas têm buscado produtos que estão mais próximos delas. Assim, o consumo aumenta”.

O objetivo, de acordo com Kristensen, quando um prato é criado, é pegar um produto, um ingrediente que tenha importância cultural, econômica e social e que faça sentido e diferença nessa utilização como um todo. “Essa é a forma com que enxergamos a gastronomia e utilizamos os ingredientes”, conclui.

Apoena Bolsas

A Apoena Bolsas, por sua vez, produz bolsas e luminárias usando a palha e os talos das folhas do butiazeiro como principal matéria-prima. A designer de moda, empresária e responsável pela marca, Maiara Fonfanti, conta que a empresa é familiar e se localiza em Giruá, onde é feita a coleta de folhas em áreas próprias, praticando o manejo sustentável das palmeiras e fazendo o plantio de novos exemplares. A empresa fornece produtos para lojas-conceito da Renner e já teve suas criações recomendadas pela revista Vogue Brasil como opções de moda sustentável e com alto padrão de design.

“Trabalhamos diretamente com a folha da nossa palmeira. Giruá é a terra do butiá. A gente tem muito orgulho de dizer isso. É onde acontecem as festas do butiá, que reúnem artesanato, comida, licor, tudo em volta do butiá, que é a nossa árvore-símbolo da cidade”, diz Maiara.

A Apoena surgiu em 2016, por uma ideia do pai da designer, que gostava de trabalhar com artesanato. “Ele viu na folha do butiá uma possibilidade de desenvolver bolsas. Já havia artesãos aqui que faziam trabalho com bolsa, mas pensamos em desenvolver de modo diferente, com essa ideia e estrutura de design, trazendo esse conceito de moda. A ideia é mostrar para o consumidor o desenvolvimento de um produto sustentável”, argumenta Maiara.

Ela conta que Apoena, em tupi-guarani, significa “aquele que enxerga longe”. “Foi uma homenagem aos colonizadores de fato de Giruá, que foram os índios. Giruá tem uma história envolta ao butiá. A planta, em guarani, se chama jerivá, é a fruta dos cachos dourados. O nome de Giruá já vem de toda essa história, dessa cultura”, esclarece Maiara.

“De 2016 até agora, pesquisamos modos de melhorar nossos processos. Aprendemos a fazer o manejo sustentável desse produto. Fomos a primeira família em Giruá que conquistou a certificação de extrativismo do município para poder fazer as colheitas, cuidar dos remanescentes e fazer o manejo dos novos pés: produzir e plantar esses pés para poder utilizá-los”, explica a designer.

Conforme Maiara, a colheita é de, no máximo, 30% das folhas dos pés de butiazeiro. “E a gente só volta para essa árvore quando ela frutifica. Então, demoramos de quatro a seis meses para voltar a colher. A gente tem uma área que fazemos a colheita das folhas”, pontua a designer.

Todos os processos, até chegar ao desenvolvimento da peça, são manuais. “A gente gosta de mostrar esse trabalho. Esse valor agregado que temos de desenvolver manualmente essas peças”, diz com orgulho Maiara.

“Não vendemos somente nossas peças, vendemos a história de um município, de uma comunidade, das meninas que estão aqui todos os dias trabalhando, que cuidam de famílias e estão tendo uma renda legal. É muito importante pra nós podermos divulgar nosso trabalho”, pontua Maiara.

“Então, é todo um processo manual para entregar um produto que consegue concorrer em um mercado competitivo, que é o da moda. E temos retornos bem legais como empresa, podendo gerar mais empregos. O butiá estava um pouco esquecido na comunidade. Então, trazer isso de volta, através do nosso trabalho, é muito gratificante”, finaliza Maiara.

Fonte: Assessoria de Comunicação Social Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do RS