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Nem é nosso o pão nosso de cada dia

*João Guilherme Sabino Ometto

A invasão da Rússia à Ucrânia, além da tristeza das perdas de numerosas vidas e multiplicação do já elevado contingente de refugiados no mundo, está acentuando uma tendência desencadeada pela Covid-19: muitos países, ao contrário do que fizeram nas duas últimas décadas do Século 20, estão levando de volta a indústria para seus territórios e contingenciando a oferta de produtos e bens estratégicos. Trata-se de providências para garantir o suprimento nas cadeias produtivas prioritárias, a alimentação e a segurança nacional, incluindo-se, neste último item, as telecomunicações e a integridade das redes de internet e tecnologia da informação.

No novo cenário geopolítico e econômico, também permeado por crise de logística, mais demora no desembaraço alfandegário, encarecimento dos fretes marítimos e até falta de contêineres, ficaram muito evidentes os riscos da dependência externa. Temos sentido isso no Brasil, a começar pela dificuldade de importação da vacina contra o novo coronavírus e, depois, dos insumos para sua fabricação pelos nossos competentes institutos Butantan e Fiocruz.

Estudo motivado pela pandemia, realizado pela Fuqua Business School da Duke University (EUA), mostrou a premência de políticas que incentivem as empresas farmacêuticas a investirem em tratamentos ou vacinas para doenças consideradas negligenciadas, como Chagas, Dengue e Leishmaniose. E temos todas elas no Brasil. O setor de equipamentos médicos também sente os impactos das rápidas transformações globais e, mais particularmente, da guerra no Leste da Europa. Segundo a Associação Brasileira de Equipamentos para a Saúde (ABIMED), o conflito pode comprometer o fornecimento de elementos fundamentais à produção de semicondutores e lasers, bem como a compra de novos aparelhos, reparos e recondicionamento dos usados. É algo preocupante, pois afeta o atendimento médico-hospitalar.

Outro problema grave é a ameaça à oferta de fertilizantes e insumos para sua fabricação no Brasil. Conforme demonstra a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), produzimos apenas 15% do que consumimos. Os 85% restantes são importados. As sanções internacionais impostas em 2021 à Bielorrússia e, agora, à Rússia criam um cenário de incertezas. No ano passado, por exemplo, importamos 12,5 milhões de toneladas de cloreto de potássio, sendo 5,6 milhões procedentes desses dois países.

Como estratégia para reduzir essa dependência, o Governo Federal lançou o Plano Nacional de Fertilizantes. Porém, seus resultados são de longo prazo, com agenda que se estenderá até 2050. Nossa agricultura, celeiro do mundo e fundamental para a economia brasileira, não pode esperar tanto tempo. A solução será buscar outros fornecedores. Porém, continuaremos dependendo da boa vontade das nações produtoras e de circunstâncias conjunturais, algo bastante desconfortável no presente contexto de instabilidade internacional.

Em outra frente, dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) indicam que 26% das empresas do setor não têm conseguido manter estoques de matéria-prima. A dificuldade para encontrar semicondutores é uma dura realidade para sete em cada 10 fábricas do segmento. Além dos efeitos colaterais da pandemia e da guerra, o mercado de chips sofre com a falta de contêineres, majoração dos fretes e desembaraço portuários. Cabe lembrar que a carência do item prejudica até mesmo a produção de automóveis, pois estes têm cada vez mais eletrônica embarcada.

Os riscos relativos à dependência externa chegam agora, literalmente, ao pão nosso de cada dia, à macarronada do domingo e às pizzas. Sim, pois o Brasil importa 60% do trigo que consome, segundo a Abitrigo, associação representativa da indústria moageira. Detalhe: Rússia e Ucrânia são responsáveis por 30% do comércio mundial do grão, revela a Bloomberg. Ou seja, a guerra deverá diminuir a oferta, com aumento dos preços.

Fica muito claro que, como estão fazendo numerosas nações, o Brasil precisa preparar-se de maneira responsável e adequada a cada setor, para conquistar a autossuficiência em áreas estratégicas. É óbvio que isso não se faz de imediato. Assim, precisamos, sem mais demora, de políticas públicas eficazes e corajosas. A primeira providência é o poder público investir mais recursos em pesquisa e desenvolvimento e na educação, formando novas gerações cada vez mais capacitadas, desestimulando a emigração de cientistas e promovendo aporte tecnológico. Mais do que nunca, conhecimento é sinônimo de independência!

*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos — EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).

Fonte:  Thailize Silva Oliveira

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