“O tabaco é uma joia que precisa ser cuidada”, diz diretor da Souza Cruz

Uma das vozes mais experientes do mercado fumageiro no Brasil, o diretor de tabaco da Souza Cruz, Dimar Frozza, prepara-se para passar o bastão em julho, quando se aposentará após quatro décadas de protagonismo em uma das gigantes mundiais do setor. Em uma trajetória iniciada aos 18 anos, no interior de Santa Catarina, ele chegou a um posto de comando de operações em todo o planeta, assistiu de perto às principais transformações já vividas pela cadeia produtiva que é a base econômica do Vale do Rio Pardo.

Natural de Erechim, Frozza conheceu o campo ainda jovem, quando os pais se mudaram para o oeste catarinense, região de forte produção de tabaco. O gatilho para a carreira na indústria deu-se com uma oportunidade em um pequeno posto de compra da Souza Cruz, ainda enquanto estudante de Administração. De lá, migrou para uma unidade maior e, em uma curva ascendente, passou a ocupar posições-chave em diversas estruturas da empresa. Passou por municípios como Chapecó, Tubarão, Blumenau, Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Cruz, e foi gerente de fábrica em Cachoeirinha e Uberlândia. Durante três anos, atuou em Londres junto à British American Tobacco (BAT), a controladora da Souza Cruz.

Desde 2015, está à frente de 17 operações da BAT no mundo, além do Brasil. Sua área de atuação inclui países como Bangladesh, Vietnã, Paquistão, Colômbia, México e Sri Lanka. Por sinal, graças ao trabalho na fumageira, conheceu os cinco continentes e nações de realidades culturais e socioeconômicas as mais diversas. Foram tantas viagens que, recentemente, ganhou de presente de um irmão um mapa-múndi de parede. “Ele disse que meu passatempo depois de aposentado vai ser marcar os lugares onde já estive”, brincou Frozza, que é casado, pai de dois filhos e vai se estabelecer em Florianópolis.

Na quinta-feira, Frozza recebeu a Gazeta do Sul para uma conversa no complexo onde fica a usina de processamento da Souza Cruz, no Distrito Industrial, inaugurada há 22 anos – projeto do qual participou e que é até hoje um dos investimentos mais importantes já feitos pela companhia. Na conversa, relembrou os principais momentos vividos pelo setor nas últimas décadas e analisou as perspectivas com a popularização de produtos eletrônicos que vão disputar espaço com o cigarro convencional nos próximos anos.

Gazeta – Em 41 anos, quais as principais transformações no mercado de tabaco que o senhor testemunhou?
Frozza – Algumas coisas foram marcantes. Primeiro, o Brasil não tinha uma marca de tabaco tão conhecida internacionalmente. Países como Zimbábue e Estados Unidos já tinham produtos com reputação de qualidade e o Brasil engatinhava nisso. Mais do que isso, o relacionamento das empresas com o produtor era muito baseado na oportunidade. Um ano a demanda era alta, no outro era baixa, então nem os produtores nem as empresas tinham muita estabilidade. A Souza Cruz tinha desenvolvido lá atrás o Sistema Integrado de Produção, que se consolidou nessa época. Depois teve um período de muitas guerras na África e um volume muito importante de produção foi deslocado para o Brasil. Aí deu um salto, as empresas começaram a produzir muito mais. Também nesse período muitas empresas de tabaco se consolidaram no mundo e, mais à frente, passaram a ter centrais de compra. Então, ao invés de cada fábrica vir aqui comprar, um centro de compras vinha e comprava para todas. Outro momento de mudança, nos anos 80, foi quando surgiu a preocupação de fazer uma produção sustentável. Surgiram programas voltados às crianças no campo, para garantir que fossem à escola, programas voltados à gestão financeira das propriedades e de difusão tecnológica, para permitir a sucessão natural no campo.

Gazeta – A construção da usina de processamento em 1996 também foi um marco muito significativo.
Frozza – Muito significativo. Essa fábrica foi um sonho do diretor da época (Nelson Bennemann). Havia uma fábrica no Centro, a cidade havia crescido no entorno, e era uma fábrica pequena, com limitações de espaço, logística e investimentos tecnológicos. Então ele propôs para a BAT e o Grupo Souza Cruz de fazer alguma coisa inovadora. Na cabeça dele, essa fábrica tinha que durar no mínimo 50 anos moderna. E estamos aqui hoje, passaram-se quase 23 anos, e ela ainda é uma fábrica moderna. Ele foi um visionário.

Gazeta – O tabaco brasileiro é considerado o melhor do mundo. Isso se deve não só à qualidade intrínseca do produto mas também a todo esse contexto social?
Frozza – Acredito que sim. E acredito que isso deveria ser mais explorado. Sabemos o que representa essa cadeia para a balança comercial, sobretudo para os três estados do Sul. E esse diferencial muitas vezes é pressionado por pessoas, dentro do próprio Brasil, que desconhecem e questionam coisas que se traduzem em notícias e prejudicam a imagem daquilo que é nosso. Sempre digo: o tabaco é uma joia que precisa ser cuidada. Muitos países, no mundo todo, nos procuram querendo aumentar a sua produção. E aqui, onde temos tudo isso, de vez em quando tem pessoas que nos provocam ou a reduzir volume ou a não produzir, ou criam tantas barreiras que o cliente lá fora poderá comprar em outro lugar. Por outro lado, é preciso reconhecer que isso melhorou muito. Temos tido muito apoio para que o tabaco brasileiro fique mais protegido daqueles que não o conhecem.

Gazeta – Mas esse discurso antitabaco, que é sempre muito forte, o senhor atribui a um preconceito ou há por trás interesses maiores, até internacionais?
Frozza – Com relação à produção de tabaco, eu atribuiria uma grande parte ao desconhecimento. Outra parte eu atribuiria a uma veia ideológica que faz com que as pessoas não se permitam ouvir, conhecer e entender. É algo, inclusive, que me chama a atenção: como vou falar mal de uma coisa que eu não conheço, sendo que essa minha fala pode colocar em risco a condição de vida de famílias? Há muitos anos nós reconhecemos, e propagamos isso, que o cigarro é um produto que faz mal à saúde. Não entro nesse mérito. Porém, com relação ao tabaco, existem países que têm muito menos preconceito com a produção no campo. Mas insisto: melhorou muito nos últimos anos. Até porque o tabaco está sendo produzido de forma diversificada. É difícil encontrar um produto que tenha somente tabaco na propriedade.

Gazeta – Qual o maior desafio do setor de tabaco hoje?
Frozza – O principal desafio é entender que não se trata de um produto que você simplesmente planta e, no ano seguinte, vem alguém aqui comprar. É preciso regar essa planta, aqui e lá no cliente. Estou falando da marca do tabaco brasileiro. É preciso parar que se digam coisas que não são verdadeiras sobre essa cadeia que gera tanta riqueza, continuar melhorando e aceitar que, mesmo fazendo tudo isso, é um produto em transformação.

Gazeta – Aliás, já se transformou muito, não? Antigamente, as pessoas conviviam muito melhor com o cigarro, era aceitável fumar em lugares públicos…
Frozza – Sim, mudou muito. E, aliás, isso foi a melhor coisa que aconteceu. Você fazer uma coisa sem incomodar o outro é maravilhoso. E o cigarro, por regulação e opção, chegou a um equilíbrio. Existe hoje um respeito entre quem fuma e quem não fuma. É muito raro estar em um ambiente ainda com pessoas incomodadas em relação à fumaça do cigarro de alguém. Por isso,  há muitos anos são feitas as advertências. Assim como qualquer outro produto de risco, o consumidor sabe de antemão que é uma opção que ele fez de usar ou não usar. Mas agora há uma outra transformação em andamento, que é o que chamamos de multicategorias. Por muitos anos, o cigarro sempre foi o mesmo, vindo em uma carteira com 20 unidades, mais ou menos do mesmo tamanho, e a única mudança foi a introdução do filtro. Agora não, surgiram vaporizadores, cigarros eletrônicos… É um novo mundo que está se abrindo.

Gazeta – É seguro dizer que o futuro do mercado de tabaco passa por esses novos produtos?
Frozza – Não tenho a menor dúvida. O que me chama a atenção é que, depois de todos esses anos, os consumidores seguem buscando mais ou menos a mesma coisa no fim do dia, que é a nicotina. Só que agora a nicotina virá de várias formas. O que tenho dificuldade de dizer é o quanto isso impactará o cigarro convencional, o quanto vai demorar, que tempo vai levar. Existem várias teses. Tem o consumidor que vai usar o cigarro tradicional e também o produto novo, tem o consumidor que vai usar em ambiente fechado e outro fora, tem o oral, tem o sachê. Um mundo inimaginável de formas de consumir nicotina está surgindo. E não tem volta. São mudanças, inclusive, para confirmar que não há como alguém, por meio de uma regulação, dizer que não pode mais consumir algo que é consumido há mais de 500, 600 anos. Enquanto tiver consumidor, vai ter alguém ofertando.

Gazeta – O Brasil está perdendo tempo em não autorizar esses produtos?
Frozza – Acho que não. Parece-me que o Brasil está fazendo de uma forma inteligente. Vi países que liberaram de afogadilho, o que pode criar confusão e abrir oportunidade para o contrabando. O governo brasileiro e a Anvisa estão avaliando, e não tenho dúvida de que haverá a liberação. Mas não vejo perda de tempo. Pela minha experiência, creio que mais análise e discussão com a comunidade científica e os consumidores é uma forma inteligente de chegar lá.

Gazeta – Essas mudanças causam algum receio aqui no Vale do Rio Pardo, em função da dependência da cadeia do tabaco. O cigarro eletrônico, por exemplo, não utiliza tabaco na composição. O senhor acha que a região pode ter a segurança de que haverá um mercado por muito tempo?
Frozza – Eu diria que a região pode ficar tranquila, desde que tenha a consciência de que precisa continuar focada na produção com qualidade e controle. Em hipótese alguma você pode ter um produto de que não se saiba qual agroquímico foi usado na preparação da lavoura, por exemplo. E aí acho que o Sistema Integrado, o mais robusto do mundo e um dos mais consolidados do agronegócio brasileiro, será o grande facilitador para que o mundo venha até a região e diga: eu quero aquele produto. Se o volume vai ser maior ou menor, isso vai depender da nossa capacidade de conquistar mercado internacional e do que vai acontecer aqui dentro também.

Gazeta – O Brasil ainda não conseguiu retomar o crescimento econômico. O que está faltando?
Frozza – O momento que vivemos há alguns anos, infelizmente, foi passageiro. Naquele momento em que estávamos desfrutando de uma certa sobra, não se reinvestiu o suficiente em educação, infraestrutura e outras áreas, para depois dar a longevidade ao crescimento. Chegamos a beliscar 4% de crescimento, e dali a pouco começamos a aceitar quando há apenas crescimento positivo. Precisamos de 1% ao ano só para absorver quem entra no mercado de trabalho. Tomara que a gente não precise de uma tragédia para ter crescimento. Tomara que, para o País acordar, ele precise só de um sonho ruim, mas não de um pesadelo, como aconteceu em vários lugares. É frustrante para um empresário chegar na metade do ano e encontrar algo completamente diferente do que planejou um ano antes. A situação é preocupante, mas eu sou um eterno otimista. Temos vários sinais de que tem alguma coisa para acontecer. O desenho está feito para o Brasil crescer.

Gazeta – Do ponto de vista da relação com o setor de tabaco, qual a sua expectativa em relação ao governo Bolsonaro?
Frozza – É muito positiva. Para ser bem franco, isso já tinha começado no governo anterior (de Michel Temer). O ministro da Agricultura anterior (Blairo Maggi) foi o primeiro, depois de muitos anos, que veio visitar a região. A partir daí, tivemos uma ligação boa. No que tange à produção de tabaco, me parece que ficou bem mais resolvido, nas COPs sabíamos melhor qual era o pensamento do governo. E parece que está havendo uma sequência nisso. Especificamente aqui no Sul, temos gente da terra fazendo parte do Ministério da Agricultura (o ex-prefeito de Rio Pardo, Fernando Schwanke). Então, tenho muita fé em relação a isso. O que precisamos resolver é a outra ponta, que é o consumo de cigarros.

Gazeta – E o que o senhor pensa quando vê uma notícia como a dessa semana, de que a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com ação contra as cigarreiras para cobrar ressarcimento dos gastos com tratamento de doenças associadas ao tabagismo?
Frozza – O que me chamou a atenção na nota da AGU foi o fato de citar duas empresas (Souza Cruz e Philip Morris Brasil) como responsáveis por 90% do mercado. Se não estou enganado, no Brasil o contrabando responde por 54% do mercado. Isso me causou estranheza. Mas com respeito às autoridades, preciso me abster de comentar porque a companhia ainda não teve acesso ao processo.

Gazeta – A Souza Cruz já fechou uma fábrica em Cachoeirinha por causa de prejuízos decorrentes da expansão do comércio ilegal de cigarros. O combate ao contrabando depende de controle das fronteiras ou de revisão tributária?
Frozza – As experiências mundiais mostram que só a segurança nas fronteiras não resolveu, mesmo em países com extensões menores. Lógico que é obrigação do governo trabalhar nas fronteiras. Mas é preciso observar que hoje o contrabando responde por 54% do mercado. Imagina que, ao lado dessa companhia onde estamos aqui, tem outra aqui do lado que é invisível. Chega a ser chocante, isso me assusta. E aí você olha: aquele ali está vendendo um produto pela metade do preço mínimo do outro. Não é uma questão de alíquota, é uma questão de reequilíbrio do imposto. O governo tem de ser inteligente e justo nisso. Em hipótese alguma estamos falando de baixar imposto. Não precisa baixar imposto.

Gazeta – Ou seja, aliviar o imposto sobre o cigarro mais barato e aumentar a carga sobre o cigarro mais caro?
Frozza – Isso. Tem de cobrar menos nesse produto mais barato, garantindo a arrecadação, para que o consumidor tenha o direito de acessar um produto com controle. Um produto registrado na Anvisa, que se saiba de qual produtor veio, em que fábrica foi feito. Eu vi países onde o contrabando chegou a 40% ou 50% do mercado e, depois de uma ação inteligente na área tributária, voltou para 10%. Alguém precisa, no mínimo, fazer um teste. Por um período, aumentar em cima, diminuir em baixo, e depois, se não der certo, voltar. Mas acho pouco provável que não dê certo.

Gazeta – Para encerrar: se o senhor tivesse de dar um único conselho para seu sucessor, qual seria?
Frozza – Meu conselho é só um: que ele saiba que o sucesso do passado não garante o sucesso do futuro. Se ele fizer a mesma coisa que a gente fez e do mesmo jeito, não vai conseguir ter o resultado que espera. Mas tenho certeza de que ele vai trazer inovação, ser criativo e respeitar questões fundamentais e das quais não abrimos mão. Meu conselho é só esse. Ah, e que ele cuide das pessoas, pois ninguém consegue resultado nenhum sozinho.

O sucessor

Dimar Frozza será substituído no cargo de diretor de Tabaco por Marcos Salvadego, que atualmente é gerente regional de Implantação de Operações da BAT na Ásia. Ele ingressou na multinacional em 1997, como trainee no departamento de Tabaco no Brasil. Depois, passou por diversas funções. Atualmente, ele reside em Singapura.

Fonte: Gazeta do Sul- Santa Cruz do Sul