Os Vietze têm o cooperativismo no coração

Cooperativista de coração, Paulo Vietze, 74 anos, cooperado da Cocamar de Santa Cecília do Pavão, trabalha com cooperativas há mais de 50 anos e já foi cooperado de cinco delas, assim como trabalhou e viveu onde não havia cooperativas. Por isso, sabe reconhecer a importância de estar associado a uma.

ATRAVESSADORES – Quando a família plantava algodão em Rancho Alegre, no norte do Paraná, era difícil depender dos atravessadores que recebiam o algodão e desapareciam da noite para o dia com toda produção, isso sem falar da falta de informação técnica ou de vendedores que só estavam interessados em vender produtos com preços bem mais caros e que muitas vezes nem funcionavam direito.

MUDOU A HISTÓRIA – “O produtor não tinha onde se apegar.  O algodão tinha muita praga, mas a pior eram os picaretas que compravam todo algodão da região e sumiam no mundo. Por isso, sou cooperativista, não compro nem vendo fora, porque onde as cooperativas entraram, a história das regiões foi transformada”, afirma.

RANCHO ALEGRE – Os Vietze vieram em 1945 de Maracaí, São Paulo, derrubar mata em Rancho Alegre. Trouxeram a mudança na carroça, cortando a mata por meio das picadas abertas. Como não havia ponte e o rio era raso, a mãe de Paulo, Ela Bronilda, que veio grávida para o Paraná, cruzou o rio no lombo do cavalo.

CAFÉ E ALGODÃO – Seguindo o que fez a maioria dos produtores que veio para o Paraná, o pai de Paulo, Osvaldo Vietze, plantou café e roça, mas a cultura não permaneceu por muito tempo porque a região era muito quente. Logo mudou para o algodão, mas também não fez dinheiro com a cultura.

SANTA CECÍLIA DO PAVÃO – Em 1975 foi a vez de Paulo sair em busca de seu espaço comprando 5 alqueires em Santa Cecília do Pavão para o plantio de soja. Por conta de todas as dificuldades iniciais, Paulo se recorda que ficou desanimado e até pensou em voltar, mas não tinha para onde ir. “Quase todo dia ouvia falar sobre brigas ou que alguém tinha sido morto. Foram 23 pessoas mortas no primeiro ano, o que assustou”, comenta. Explorada a anos de forma extrativista com o plantio de algodão e outras culturas, a terra também estava maltratada, era muito ácida, faltava correção.

EROSÃO – “Os produtores só plantavam sem cuidados com o solo. Tinha erosão para todo lado, apesar do terreno não ser muito inclinado. Para amenizar o problema, fizemos curva de nível em toda a propriedade ‘meio no zoio’. A correção e curvas de nível para valer só foram feitas depois que foram implantadas as microbacias. Com a chegada das cooperativas, tivemos acesso à informação e pudemos corrigir o solo e aumentar as produtividades aos poucos”, conta Paulo.

CUIDADO COM O SOLO – Mesmo tendo apenas um trator pequeno, a família deu conta de corrigir tudo. Paulo foi o primeiro a fazer plantio direto no município. Os vizinhos tiravam sarro. “Não é roça de gente”, diziam. Não havia muitos herbicidas disponíveis na época. “Sofremos muito, mas deu certo. E até hoje mantemos as curvas de nível, mesmo muitos agricultores tendo retirado”. Nas fortes chuvas desse ano, onde chegou a chover mais de 110 milímetros em uma noite, as curvas não estouraram. “Enquanto muitos produtores perderam a planta e abriram-se valas nas lavouras, aqui teve só uma erosão superficial. E uma chuva fina que veio na sequencia salvou a lavoura facilitando para a planta romper o solo”, diz o produtor.

SUCESSÃO FAMILIAR – Paulo e a esposa Arlete têm dois filhos, Eduardo e Eliane, três netos e dois bisnetos. Tanto o filho, quanto o neto, Lucas, são cooperados e têm garantido a sucessão familiar. A família planta 70 alqueires de soja e trigo, sendo 9 arrendados, em três municípios: Santa Cecília do Pavão, Santa Bárbara e Santo Antonio do Paraíso.

ESTUFAS – Como forma de garantir a sucessão familiar e a continuidade do trabalho, mesmo com uma área pequena, a família montou seis estufas de mil metros quadrados para a produção de hortaliças orgânicas onde planta principalmente tomate e abobora italiana, além de outros cultivos. Aproveitando que o sítio fica próximo à cidade, Lucas teve a ideia de trabalhar com os cultivos orgânicos e é ele quem cuida de tudo.

Luz a diesel e geladeira a querosene

Quando a luz elétrica gerada a partir de um motor diesel chegou a Rancho Alegre fez o maior sucesso, apesar de não iluminar muito e ser desligada às 10 horas da noite. “Era uma luz fraquinha, parecia um tomatinho, mas era a maior sensação para quem vivia no total breu”, recorda-se Paulo. Na época tinha sete anos e morava no sítio perto da cidade.

Na década de 1960, a família comprou uma geladeira à querosene para conservar melhor a comida, mas, antes disso, comeu muita carne de lata conservada na banha, carne seca ou defumada.

Os Vietze foram um dos primeiros moradores da região e não havia muitos vizinhos. Paulo ainda se recorda, quando criança, do dia em que foi até o Rio Congonhas, onde a mãe lavava roupa perto de casa, e viu uma onça matando e comendo um bicho que nem conseguiu identificar ao certo. Voltou correndo para casa. “Era comum ouvir o miado das onças a noite e vivia sumindo galinha, porco ou até cachorro”, conta.

Na política

Vice prefeito na atual gestão, junto com o prefeito Edmar Santos, Paulo nunca gostou de política. “Fui convidado a fazer parte da chapa, mas só tomei a decisão no último dia de prazo para inscrição, em 2016, e fui reeleito em 2020 por mais 4 anos. A vantagem é que você pode ajudar a mudar o futuro de muita gente”, afirma o cooperado que recebeu o certificado como 22 melhor vice prefeito entre os 399 municípios do Paraná.

De origem alemã

Os avós, Guilherme e Joana vieram da Alemanha fugindo da Primeira Guerra Mundial e da miséria que se espalhou pelo país, sem falar uma palavra de português, e foram trabalhar como colonos nos cafezais de São Paulo. “Lembro que quando era criança, praticamente só falávamos em alemão em casa”, conta Paulo.

Durante a Segunda Guerra Mundial, com todas as restrições estabelecidas para as pessoas de origem alemã e japonesa, os Vietze ficaram “espertos”. Mas na região onde moravam, por ser muito isolada, as coisas foram mais calmas, mas foi um período de muita carestia. “Meus pais contavam que as pessoas até tinham dinheiro, mas não havia produtos para comprar, como sal, querosene e outras coisas básicas. A sorte é que produzíamos boa parte do que precisávamos na propriedade”, conta.

Renda extra

Quando se mudou para a cidade, a família morou perto de onde reside atualmente. Como era um bairro em formação, com muitas datas vazias, plantava algodão onde dava como forma de ter uma renda extra. Mas, logo os vizinhos foram chegando e ficou sem espaço. “Chegamos a plantar algodão onde moramos hoje. A casa de 160 metros quadrados foi construída em 1989 com a venda da produção de 30 alqueires de trigo. A cultura dava dinheiro naquela época”, diz o cooperado.

Também buscando aproveitar todos os espaços de terra e obter uma renda extra, Arlete, que sempre ajudou o marido no trabalho no campo, plantou feijão na matraca em toda a curva de nível da propriedade que ficava próximo a cidade, no início dos anos 1980.

Carpiu, zelou, enfrentando o sol forte, colheu no facão e empilhou os pés de feijão, como era feito na época, esperando terminar de secar as vagens para depois bater no cambão, debulhar e peneirar. “Deixávamos uns dois ou três dias amontoado para secar. Mas, quando fomos recolher, tinham roubado. A frustração foi enorme”, recorda-se com raiva.

Infarto aos 49 anos

Aos 49 anos, Paulo sofreu um infarto e tem sequelas até hoje. Não pode carregar peso ou fazer muito esforço. Com isso, o filho teve que assumir cedo responsabilidades crescentes, apesar de que já ajudava desde pequeno. Com 13 anos já fazia de tudo na propriedade, até dirigia trator.

Da mesma forma, Paulo começou cedo e trabalhou muito na vida e apesar das limitações, não pretende parar tão cedo. Também já passou por muitas dificuldades como quando fez financiamento para plantar na década de 1980, esperando bons preços na safra, mas preço dos produtos caiu e não conseguiu pagar o financiamento. Teve que vender o carro da família para cobrir os custos e ficou tempos a pé com um filho pequeno.

Mudança da tulha

A velha tulha que possuía no sítio em Santa Bárbara fez sucesso na estrada ao ser transferida, inteira, sem desmontar, por 10 quilômetros, para o sítio de Santa Cecília do Pavão, há mais de 12 anos. “Só tiramos as telhas e com a ajuda de um muke, colocamos em cima do caminhão e pegamos a estrada”.

Fonte: Jornal Cocamar