Presidente da Embrapa diz que empresa revolucionou setor, não teme rixas políticas e prevê ocupação feminina no agro

Primeira mulher a dirigir a estatal, Silvia Masshurá conta que o combate a fome e a preservação do meio ambiente são as prioridades de sua gestão.

Dos 50 anos de história da Embrapa, Silvia Masshurá colaborou em quase 34. Funcionária de carreira e atual presidente da estatal, ela salienta que a empresa foi uma das protagonistas da modernização do campo brasileiro, que deixou de ser precário para se tornar “potência agrícola” e maior motor do PIB nacional. Passado meio século, a executiva destaca que as prioridades da empresa são outras. Para ela, a principal missão da Embrapa no momento é contribuir para o fim da fome no Brasil e preservar o meio ambiente. Masshurá também afirmou que a instituição está atenta às novas demandas que estão surgindo, principalmente aquelas vindas diretamente da população. “É preciso olhar para os alimentos, não apenas do ponto de vista de produção, como aumento de produtividade, controle de pragas e doenças etc., mas também do ponto de vista do consumidor, que valoriza aspectos como a origem cultural dos alimentos, a história das pessoas envolvidas na produção, os cuidados com relação à egurança dos alimentos, entre outras coisas”, revelou, em entrevista ao site da Jovem Pan.

Primeira mulher a assumir o cargo, Silvia Masshurá que sua nomeação é um momento disruptivo nos altos cargos da empresa e espera que isso sirva de inspiração para outras que trabalham com tecnologia e agropecuária, áreas, na sua visão, ainda machistas. “Mas isso está mudando”, observa. “Atualmente, a situação está melhor: dos 43 centros de pesquisa, 25% são chefiados por mulheres. Precisamos de mais, de 40% ou 50%. E na diretoria, as mulheres são maioria: uma presidente e duas diretoras.” Ela assegura que a empresa é técnica, e as linhas políticas de qualquer governo não interferem muito no trabalho, muito menos as rixas políticas de Brasília. “Estamos a serviço dos 5 milhões de produtores rurais do país.”

Quais são as prioridades da Embrapa no atual governo? A Embrapa completa 50 anos este ano, e é um dos principais players da revolução de agricultura que nós tivemos no país. Saímos de uma realidade de importação, para grande exportador neste período. Adotamos um modelo de produção na agricultura que contribui de forma decisiva para o desenvolvimento do Brasil. As prioridades da Embrapa estão sob o ponto de vista econômico, ambiental e social. Nesse contexto, estamos diante de um fenômeno que pode ser chamado de transição nutricional. Há uma preocupação, não só do Brasil, mas internacional, do que se está comendo, dada a contribuição da alimentação para o bem-estar e a promoção da saúde. É preciso olhar para os alimentos não apenas do ponto de vista da produção, como aumento de produtividade, controle de pragas e doenças, etc., mas também do ponto de vista do consumidor, que valoriza aspectos como a origem cultural dos alimentos, a história das pessoas envolvidas na produção, os cuidados com relação à segurança dos alimentos, entre outras coisas. Outra prioridade é a transição energética. Já estamos trabalhando nesse tema há algum tempo, mas precisamos avançar na descarbonização da agricultura. Em terceiro, é preciso investir em inclusão socioprodutiva, ou seja, apoiar políticas públicas que promovam pequenos e médios produtores rurais. No Brasil, apenas 10% são grandes proprietários e 90% são pequenos. Como nosso objetivo principal é diminuir o combate à fome, o pequeno agricultor é nosso parceiro nesta missão. Além disso, também temos a missão de inserir os agricultores na revolução digital. Neste contexto, a conectividade é fundamental, ou seja, viabilizar o acesso à internet no campo. A gente vai focar em treinar o pequeno agricultor às novas tecnologias, em um trabalho de base mesmo. Também teremos o impacto da bioeconomia, fortalecendo as ações de preservação nos seis biomas brasileiros. Enfim, vamos avançando em uma ciência para o clima tropical, isso que fez o sucesso da Embrapa nestes 50 anos, e continuar formando nossas parcerias com as universidades, entidades estaduais e com os 5 milhões de produtores. Para isso, precisamos de um fortalecimento da Embrapa. Estamos há 13 anos sem concurso e temos apenas 15% dos recursos que tínhamos há dez anos.

Qual é a importância da Embrapa para o agronegócio nacional? Nossos cientistas, em parceria com pesquisadores de diversas instituições, contribuíram decisivamente para a revolução agropecuária que o Brasil experimentou nos últimos 50 anos. O país, que tinha uma agricultura precária na primeira metade do século passado e dependia da importação de alimentos, tornou-se uma potência agrícola no século XXI. Aumentamos a produtividades, ou seja, multiplicamos nossa produção e poupamos milhões de hectares de áreas naturais. Isso se deu graças a um conjunto de conhecimentos e tecnologias com forte impacto na sustentabilidade econômica e ambiental da agropecuária. Criamos fórmulas para tornar e manter nossos solos férteis. Os avanços em genética e manejo contribuíram para tornar o Brasil uma potência na produção de café, cana, soja, carnes, milho, feijão e algodão, para citar apenas alguns produtos. Produzimos cada vez mais em cada hectare cultivado. Por isso, chamamos estas soluções sustentáveis de tecnologias poupa-terra. Somente no caso da soja, com estes conhecimentos e insumos economizamos 71 milhões de hectares de áreas plantadas, o que corresponde à soma dos territórios de Irlanda e França. Na cultura do algodão, economizamos área equivalente à soma de Portugal e Hungria. Sem ciência e tecnologia, o Brasil precisaria usar muito mais terras para as safras recordes que estamos vendo. Agora, temos o desafio de produzir com baixa emissão de carbono, recuperar pastagens e áreas degradadas, avançar em sustentabilidade. E temos tecnologia para isso já pronta e em desenvolvimento. Temos sistemas integrados, que combinam diferentes tipos de lavouras com pastagens e plantio de árvores para uso comercial. Temos os insumos biológicos, que contribuem para redução da dependência de fertilizantes feitos a base de petróleo e reduzem o uso de agrotóxicos. O Brasil precisa seguir investindo em ciência e tecnologia para que a agricultura brasileira seja cada vez mais bem-sucedida e sustentável.

Você acredita que rixas políticas podem interferir no trabalho da Embrapa? A empresa é de Estado, e estamos a serviço dos 5 milhões de produtores. Esse é o papel da Embrapa. Agora, estamos sempre alinhados ao projeto do governo vigente. O plano plurianual molda, de certa maneira, o projeto estratégico da empresa. Influência direta não há, pois estamos em uma parte extremamente técnica. Sou funcionária há 33 anos, quantos governos já passaram? E a Embrapa continua fiel ao seu trabalho de desenvolvimento de pesquisas para a agricultura.

Como a estatal está encarando as demandas de sustentabilidade e ESG? ESG é uma demanda mundial. Em 2050, de acordo com projeções, seremos 9 bilhões de habitantes no planeta, precisamos pensar em comida para todos. Isso é uma questão de paz também. É preciso aumentar a produção sustentável, mas também é preciso preservar. Nós estamos empenhados na agricultura de baixo carbono e no aumento da produção. E também uma de nossas preocupações é a recuperação de áreas degradadas, pois o Brasil tem milhões de hectares de pastagens e áreas degradadas que poderiam ser recuperadas para a produção eficiente de alimentos. Isto permitiria aumentar muito a nossa produção sem a necessidade de abrir novas áreas de floresta natural… O governo e a Embrapa estão atentos a isso e planejando ações concretas.

Como é ser a primeira presidente mulher da instituição? O setor ainda é muito machista? Uma honra para mim! Em setembro, faço 34 anos de Embrapa. Sou uma profissional de carreira da empresa, e ser a primeira mulher me traz uma responsabilidade imensa. Tecnologia e agro são áreas predominantes masculinas, mas isso está mudando. As mulheres estão assumindo os espaços. Por exemplo, dos 43 centros de pesquisa, somente 10% eram mulheres há cinco anos. Todos os presidentes eram homens; e dos quatro diretores, havia a cota das mulheres, que ocupava uma cadeira. Atualmente, a situação está melhor: dos 43 centros de pesquisa, 25% são chefiados por mulheres. Precisamos de mais, de 40% ou 50%. E na diretoria, as mulheres são maioria: uma presidente e duas diretoras. Venho do quadro da empresa, e isso é disruptivo. Espero que outras se inspirem e tenham coragem de ocupar os espaços. Sempre lembro que a minha missão é garantir que a Embrapa continue ocupando o seu lugar de destaque na agricultura e continue fazendo o bem ao Brasil. Relembrando que a nossa missão principal é a soberania alimentar da nossa população e a produção de alimentos em bases sustentáveis. O combate à fome é o que nos motiva.

Por: Alex Braga / Jovem Pan

Foto: Vinicius Kuromoto/Divulgação