Produtor rural não é o desmatador

Relatório aponta que 99% do desmatamento no Brasil em 2019 foi ilegal. Levantamento na Amazônia e Cerrado. 11% de alertas em áreas de conservação. E quase 6% em terras indígenas

Um relatório mostra que 99% do desmatamento no Brasil em 2019 foi ilegal. Ao longo do ano passado, 12.000 quilômetros quadrados de vegetação nativa foram destruídos e o país teve 56.000 pontos de desmatamento. Os dados são do MapBiomas, iniciativa que reúne dezenas de entidades, como universidades, ONGs e empresas de tecnologia. A pesquisa será divulgada na íntegra nesta 3ª feira (26.mai.2020).

Fantástico, da Rede Globo, teve acesso ao relatório e antecipou alguns dados. Embora tenha afetado todos os biomas, o maior impacto foi no Cerrado e na Amazônia. Além disso, 11% dos alertas foram registrados em unidades de conservação e quase 6% em terras indígenas.

Os dados foram obtidos porque, pela 1ª vez, o MapBiomas conseguiu analisar todas as imagens de satélites dos alertas de desmatamento emitidos por várias fontes, incluindo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Parte inferior do formulário

Em Altamira, no Pará, estão as áreas mais invadidas por madeireiros, muitas delas habitadas por índios isolados, extremamente vulneráveis. Também em Altamira, foi detectado o maior desmatamento do Brasil: 4 milhões de árvores foram derrubadas sem que os criminosos fossem impedidos, apesar dos alertas.

O relatório também revela que 2/3 das áreas de desmatamento têm dono reconhecido ou declarado, possibilitando relacionar o local com algum CPF ou CNPJ, o que poderia resultar em multas ou embargo de terras aos criminosos.

O programa do MapBiomas cruza as informações da área com títulos de propriedade, com o CAR (Cadastro Ambiental Rual), com o CNUC (Cadastro Nacional de Unidades de Conservação) e com terras indígenas, entre outros dados.

Embora o sistema tenha sido desenvolvido em uma cooperação firmada há 2 anos com o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o Serviço Florestal para facilitar punição dos envolvidos em desmatamento, o governo brasileiro demonstra que caminha para o lado contrário.

O presidente Jair Bolsonaro já demonstrou diversas vezes desprezo pelo meio ambiente e o descaso com a situação da Amazônia. No ano passado, a abordagem da questão ambiental pelo governo ganhou contornos de crise mundial quando a Amazônia passou a ser castigada por queimadas.

A reação do governo foi tratar o caso como uma invenção de mídia e interferência externa. Bolsonaro acusou o Inpe de manipular dados de desmatamento e demitiu seu diretor. Também culpou, sem qualquer prova, ONGs pelos incêndios. Ainda arrumou tempo para atacar a ativista sueca Greta Thunberg e o ator Leonardo DiCaprio.

Em meio à crise, a Noruega suspendeu repasses ao Fundo Amazônia, reclamando de mudanças unilaterais promovidas pelo Brasil na gestão do programa. O governo alemão, por sua vez, suspendeu verbas de programas de preservação. Bolsonaro reagiu com virulência e chegou a dizer que a chanceler federal alemã, Angela Merkel, deveria usar as verbas para reflorestar a Alemanha.

No 1º trimestre deste ano, o desmatamento na Amazônia já foi recorde. De acordo com o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), somente em abril, 529 km² de florestas foram desmatados, aumento de até 171% em relação ao mesmo período do ano passado.

Os dados do MapBiomas vêm à tona 2 dias depois de se tornarem públicas as declarações do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) durante reunião ministerial com Bolsonaro, em 22 de abril.

Na reunião, Salles sugeriu que o governo aproveitasse que a atenção da imprensa está voltada para a pandemia para avançar algumas mudanças radicais nas leis ambientais, que em circunstâncias normais poderiam ser recebidas com fortes críticas pela mídia e pela opinião pública.

“Nós temos a possibilidade neste momento, que a atenção da imprensa está voltada quase que exclusivamente para covid-19… A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro cobrou”, disse o ministro.

A fala gerou notas de repúdio por parte de entidades ambientalistas internacionais, como o Greenpeace.

O MapBiomas é um sistema de validação e refinamento de alertas de desmatamento, degradação e regeneração de vegetação nativa com imagens de alta resolução, que é usado, por exemplo, pelo Ministério Público. O objetivo é gerar uma documentação para alertas de desmatamento que seja semelhante à foto da placa do carro no registro de uma infração de trânsito. Com as imagens, é possível traçar claramente um “antes e depois”, auxiliando na punição dos criminosos.

Fonte: Poder 360