Senar GO: Queridinha dos quintais e pomares goianos

Maior produtor no País, Goiás tem trabalhado por meio de projetos e assistência técnica para fortalecer a cadeia produtiva da jabuticaba. Com potencial para ampliar turismo rural, agroindustrialização e desenvolvimento de novos produtos no Estado, a fruta pode ganhar reconhecimento de Indicação Geográfica

Talvez seja nos quintais de casas ou nos pomares de chácaras, especialmente no interior de Goiás, que a jabuticaba tenha se popularizado e conquistado o paladar de milhares de goianos. De formato redondo, casca roxa e sabor inigualável, a fruta representa memória afetiva de infância para muitas pessoas e traz lembranças de uma época em que as famílias se reuniam para saborear a jabuticaba no próprio ‘pé’. Hoje, além da tradição de experimentar a fruta in natura na alta temporada, que compreende os meses de setembro a novembro, é possível encontrar produtos derivados do processamento artesanal e industrial da jabuticaba durante o ano todo, como sucos, geleias, licores, sorvetes, cachaça, temperos e molhos.

Graças aos estudos e à pesquisa, a jabuticaba se tornou cada vez mais versátil, abrindo espaço para aproveitar tudo da jabuticabeira, desde as folhas, que ajudam na reciclagem de nutrientes no pomar, até a madeira, que é apreciada no processo de defumação. De planta frutífera, também conquistou status de ornamental, sendo utilizada em vasos para composição de interiores na jardinagem, além de ter potencial para a indústria farmacológica, de cosméticos e na decoração.

Apesar de toda essa evolução em relação às diferentes formas de se aproveitar a fruta e a planta, a jabuticaba ainda tem pouca exploração comercial, se comparada à goiaba, por exemplo, que também é da família de frutíferas Myrtaceae. Pelo menos é o que mostram as instituições que atuam com pesquisa e estatística no Brasil. São poucas as informações disponíveis sobre cultivo e produtividade da cultura. Os dados mais recentes são de 2017, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou o último Censo Agropecuário. A explicação talvez esteja no curto período de safra da fruta, que é de menos de três meses.

De acordo com o IBGE, Goiás lidera o ranking como maior produtor nacional da fruta, com mais de 183 hectares de plantio em 18 municípios produtores. É em terras goianas que está, ainda, o maior pomar de jabuticabeiras do mundo. Com 42 mil pés, a Fazenda e Vinícola Jabuticabal, localizada em Hidrolândia, detém o título de maior produtora da fruta. São 35 alqueires ocupados por pés de jabuticaba, de um total de 120 alqueires de terra. O local trabalha também com pecuária de corte e leiteira, além de outras plantas frutíferas como cajá-manga e tangerina, porém a jabuticaba se destaca, especialmente no segmento de turismo rural. O responsável técnico pela Vinícola Jabuticabal, Marcos Paulo Batista, informa que a produção da fruta gira em torno de 2,5 mil toneladas, por safra, na fazenda e na vinícola.

Exemplo de empreendedorismo e atividade rural, a Jabuticabal é hoje reconhecida dentro e fora do Brasil, atraindo mais de 30 mil pessoas no período da safra – já que o pomar é aberto à visitação nessa época do ano. Mas Marcos Paulo conta que essa história de sucesso não surgiu do nada e foi construída pelo tio João Batista da Silva, pioneiro e fundador da fazenda, começando lá atrás, no final da década de 1940. “Tudo teve início com o senhor João Batista. Era pedreiro e agricultor. Construía casas na região de Hidrolândia e Nova Fátima e, quando era fim de tarde, trabalhava na roça plantando. Em 1947, na temporada da jabuticaba, o pessoal tinha muita fruta de quintal, inclusive ele. Juntou tudo e levou as jabuticabas de carro de boi para a feira de Campinas, já que na época não existia Goiânia. Foram em torno de sete caixas de jabuticaba. Ele vendeu tão bem, que deu para comprar uma vaca. João Batista cresceu os olhos e resolveu iniciar o plantio de jabuticaba. Todos os chamaram de doido, porque ninguém plantava a fruta. Era uma cultura que nada se sabia, especialmente na região de Cerrado. Ele plantou, inicialmente, dois mil pés, depois ampliou para sete mil pés. Quando chegou nessa quantidade, fez o desafio de que quem chupasse uma jabuticaba de cada pé, ganhava a fazenda de porteira fechada. O desafio vale até hoje, mas a fazenda agora tem 42 mil pés plantados. Dá mais ou menos 300 quilos de jabuticaba para a pessoa chupar”, destaca Marcos Paulo.

Por causa do espírito inovador de seu João Batista, o negócio prosperou. Mesmo após a morte dele, a família continuou a atividade. Mais de 80 pessoas, entre filhos, netos, bisnetos, tataranetos e sobrinhos, trabalham ou atuam na Fazenda e Vinícola Jabuticabal. Um deles é o próprio Marcos Paulo, que enfatiza os investimentos feitos na propriedade. “A vinícola nasceu no ano de 1999, porque havia muita jabuticaba e ainda não tinha tanto consumo da fruta. Surgiu, então, a necessidade de aproveitar as que estavam se perdendo. Em parceria com a UFG [Universidade Federal de Goiás], foram feitos fermentado de jabuticaba, que é o vinho, e a aguardente, destilado. Tudo para aproveitar a jabuticaba que ficava no pé e se perdia. Ainda é uma quantidade pequena produzida, em vista do potencial de volume que temos, mas nos próximos anos pretendemos expandir e aumentar o volume de produção”, destaca.

Ele informa que, atualmente, são duas estruturas para atendimento ao turista – fazenda e vinícola -, com portarias independentes a uma distância de 1,5 quilômetro entre elas. Nos dois locais, os visitantes podem aproveitar para experimentar a jabuticaba nos pés, além de ter restaurantes, sorveterias, lanchonetes, entre outros atrativos à disposição. As duas juntas contribuem para a criação de 150 empregos diretos no período da safra, além de vários indiretos. “É uma atividade que gera renda e emprego para o pessoal da região, ajudando a movimentar comércios locais de Nova Fátima e Hidrolândia. Todos saem ganhando com o aumento no fluxo de turistas na região”, reforça.

Tradição

Segundo informações da Nota Técnica ‘Importância Social e Econômica da Jabuticaba para o município de Hidrolândia’, elaborada pela Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater), a fruta foi introduzida em Hidrolândia pelos viajantes que se fixaram no município por volta de 1860. Entretanto, o documento revela que a exploração econômica da jabuticaba só teve início na década de 1940, exatamente com o senhor Antônio Batista da Silva, fundador da Jabuticabal. Com o sucesso dele nos negócios, outros produtores plantaram pomares de jabuticabeiras em propriedades rurais da região.

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura de Hidrolândia, atualmente há cerca de 70 mil jabuticabeiras catalogadas na cidade e a expectativa é que a temporada 2022 renda mais de R$ 10 milhões para os produtores. Na região, agricultores e empreendedores contribuem para movimentar a economia e fortalecer o turismo local e estadual, resultando na criação de emprego e ampliação de renda de várias famílias.

A produtora Genecy Daniel Ramos Camilo, de 62 anos, que também é artesã em Hidrolândia, é uma das que se beneficia da cultura para ampliar a renda, especialmente no período de safra. Ela possui 15 jabuticabeiras no quintal de casa e aproveita a fruta para fabricar doces, geleias e molhos. No caso dos doces, são cerca de 200 vidros por safra comercializados para a Vinícola Jabuticabal. A geleia é vendida para lojas da cidade ou clientes que já conhecem o produto. “A jabuticaba é uma fruta bem importante para a nossa região, porque ajuda na renda de várias famílias. Existe até grupo de mulheres produtoras rurais que troca experiências e informações para melhor aproveitamento comercial”, relata.

Genecy acrescenta que para melhorar na atividade, buscou se capacitar por meio de cursos e treinamentos oferecidos pela Emater e outras entidades, como o que ensinou mulheres produtoras de jabuticaba da região a fabricarem farinha a partir da casca de jabuticaba e a produzir bolacha a partir dessa farinha. “Também participei de qualificações oferecidas pelo Sindicato Rural de Hidrolândia e do Senar Goiás [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural], que somaram e ajudaram a melhorar minha visão de negócio”, comemora.

Desenvolver a cadeia produtiva

Com o intuito de fortalecer a cadeia da fruticultura no Estado, como é o caso da jabuticaba, entidades têm atuado no desenvolvimento e oferta de assistência técnica, cursos e treinamentos, pesquisa e projetos. Neste ano, por exemplo, a fruticultura será uma das cadeias mais trabalhadas pelo Senar Goiás. O foco é profissionalizar produtores, ampliar produção de qualidade, agregar valor e gerar renda.

A supervisora do Senar Mais na cadeia de Fruticultura e Olericultura, Ana Paula Marquez Belo, explica que os técnicos de campo e os próprios instrutores de cursos da entidade, ao visitar propriedades que possuem jabuticabeiras, podem ajudar com indicações e informações, desde a melhor adubação até o fornecimento de água. “É uma planta que demanda muita irrigação e precisa de solos bem drenados, com matéria orgânica relativamente alta. Acaba que os técnicos de campo não atuam especificamente no cultivo de jabuticabeira, mas como é notório sempre ter um exemplar nas propriedades, eles contribuem com informações aos produtores”, relata.

Já a Emater tem atuado com a assistência técnica dos pomares nos municípios em que a jabuticaba integra a renda do produtor, como é o caso de Hidrolândia, além de incentivar a exploração econômica no turismo ou no processamento e comercialização da fruta. Devido à falta de informações para o cultivo da jabuticaba em Goiás, a Agência, junto com parceiros, desenvolve o projeto de fortalecimento da cadeia produtiva, que visa estudar e definir estratégias para a exploração e cultivo da fruta no Estado. “Foi proposto o projeto, de forma interdisciplinar, para conhecer e entender as necessidades, exigências e potencialidade da jabuticabeira. Nesse primeiro momento, o projeto está sendo conduzido nos pomares localizados em Hidrolândia e região. Espera-se também atender regiões como Abadia de Goiás e Águas Lindas de Goiás”, afirma a pesquisadora da Emater, Taís Ferreira de Almeida.

Ela acrescenta que o projeto teve início em 2021, quando foram realizadas visitas técnicas e coleta de material. Desde então, a pesquisadora lista que foram realizadas ações como cursos de processamento da fruta com foco em produtos doces e salgados, levantamento de fitonematóides e da microbiota em 12 propriedades, publicação de estudo do perfil econômico da jabuticaba no município de Hidrolândia, na forma de Nota Técnica, e a publicação de um boletim técnico abordando o potencial das jabuticabeiras para o paisagismo.

“Em agosto deste ano, foi realizado o 1º Encontro Técnico sobre o Cultivo da Jabuticaba, quando foram discutidos a necessidade de manejo do solo e fertilidade, o uso paisagístico e o processamento da fruta. A questão econômica também foi abordada, enfatizando a importância do associativismo, a presença da jabuticaba na rota da fruticultura e o turismo ligado à fruta em Hidrolândia”, relata.

Para os próximos anos, o projeto ainda prevê estudo fitossanitário para jabuticabeiras em Goiás, a produção de mudas com qualidade, a caracterização morfológica e molecular das plantas presentes em Hidrolândia, exigências de manejo para pomares de jabuticaba explorados comercialmente, com definições de poda, adubação e irrigação. As ações possuem parceria técnica com a Prefeitura Municipal de Hidrolândia, Instituto Federal Goiano (campus avançado de Urutaí e de Hidrolândia) e UFG.

Inovações

A professora de Engenharia de Alimentos da UFG, Clarissa Damiani, destaca outro projeto que foi desenvolvido, neste caso junto à Fazenda Jabuticabal, com o objetivo de reaproveitar a casca da jabuticaba para fabricação de novo produto. “A jabuticaba é uma daquelas frutas que temos acesso apenas uma vez no ano. Sua comercialização, quer seja in natura ou industrializada, fica restringida a alguns meses do ano, principalmente porque não temos o plantio em todos os estados brasileiros. Somado a isso, tem-se a pouca durabilidade pós-colheita, normalmente em três dias já fica inapta para consumo ou processamento industrial e há a geração de muito resíduo, como casca e semente. Diante desse cenário, o aproveitamento da casca da jabuticaba, em forma de pó, cristalizada ou passa, é uma possibilidade de aproveitamento do resíduo, que é o coproduto gerado durante o processamento, servindo de matéria-prima para muitos outros produtos, como pães, lácteos, biscoitos etc., conferindo principalmente cor, sabor e fibra alimentar”, informa.

Ela revela ainda que, por meio do projeto, foi possível desenvolver casca de jabuticaba cristalizada e passa, além da casca em pó. “Em ambos os produtos, verificou-se excelente eficácia do processamento utilizado e a possibilidade do consumo da casca de jabuticaba não só in natura, juntamente com a polpa, como fazem algumas pessoas”. Segundo a professora, os desafios foram mais no sentido tecnológico, ou seja, estudar as melhores condições de tempo, temperatura de secagem e/ou do xarope açucarado para a realização da casca cristalizada. “Claro que se tem o desafio de inserção desses produtos no mercado, uma vez que nós, consumidores, ainda temos resistência com o consumo de cascas em nossa alimentação. Precisamos quebrar alguns paradigmas”, relata.

Outra iniciativa foi o projeto de extensão Difusão do Conhecimento para Padronização de Produtos Derivados da Jabuticaba. “Muitas mulheres produzem este fruto no quintal de casa. Na época da colheita, os frutos são colhidos e se transformam em geleias, doces, sorvetes, iogurtes e são vendidos na região. Contudo, a falta de informação técnica faz com que esses mesmos produtos confeccionados durem muito pouco, impossibilitando a produção em grande escala. O projeto teve o objetivo de levar a essas produtoras de jabuticaba, o conhecimento técnico, por meio de cursos, para que seus produtos durassem mais e tivessem uma melhor qualidade”, relata.

Curiosidades sobre a jabuticabeira

• A jabuticabeira é conhecida há mais de quatro séculos e foi chamada pelos índios tupis de “Iapoti’kaba’, que quer dizer fruta em botão;

• É nativa do Centro/Sul/Sudeste do Brasil, ocorrendo predominantemente na Mata Atlântica;

• Variedades de jabuticabeiras mais cultivadas no Brasil: Branca, Híbridas, Paulista, Pingo de Mel, Ponhema, Rajada e Sabará

Indicação Geográfica da jabuticaba de Hidrolândia

A importância econômica, social e cultural que a jabuticaba exerce na região de Hidrolândia motivou instituições a buscarem o registro de Indicação Geográfica (IG) para a fruta no Estado. De acordo com informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o registro é conferido aos produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado.

No fim de 2021, o Ministério da Educação (MEC), junto com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), publicou edital voltado para os Institutos Federais. Em Goiás, o Instituto Federal Goiano (IF Goiano) conseguiu aprovar dois projetos para diagnóstico de IG da jabuticaba de Hidrolândia e do polvilho do cará da região de Bela Vista de Goiás. No caso específico da jabuticaba, o projeto é realizado em parceria com Sebrae Goiás, Emater e Mapa.

O analista do Sebrae Goiás, João Luiz Prestes, que é responsável pelos projetos de Indicação Geográfica na entidade, explica que várias ações e procedimentos previstos no projeto já foram desenvolvidos neste ano, inclusive visitas às propriedades, por meio de equipes do IF Goiano, Emater e Mapa, a formalização de uma associação que representa os produtores de jabuticaba e o diagnóstico, com perguntas e respostas sobre a viabilidade de a jabuticaba de Hidrolândia conseguir o registro de IG. “Nesse começo, precisava fazer o diagnóstico para entender se existe a viabilidade. Foram mapeados, inclusive, produtores da região de Hidrolândia, Professor Jamil e Piracanjuba. Nós, do Sebrae Goiás, ajudamos na formalização da Associação de Produtores de Jabuticaba, porque para solicitar o registro é preciso ter uma associação, cooperativa, federação, sindicato, ou seja, alguma instituição que a gente chama de substituto processual. Precisa ter uma entidade que se candidata e faz o pedido de registro”, informa João. De acordo com informações repassadas pelo IF Goiano, o diagnóstico ainda está em fase de avaliação e assim que aprovado pelos avaliadores, as informações do documento serão divulgadas.

O analista do Sebrae, João Luiz, complementa que a Indicação Geográfica é uma ferramenta de proteção coletiva, registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e que está dentro da lei da propriedade intelectual. “A associação protocola o pedido de registro, mas quem é beneficiado é todo o território. Isso porque se entra em um circuito internacional, já que uma vez que você registra a IG, além de estar reconhecendo a fama e a notoriedade do produto, também mostra que existem boas práticas, desde o plantio até a colheita, envolvendo toda a produção”, diz.

Ele reforça, ainda, que o Sebrae também atua no diagnóstico de viabilidade e, atualmente, está trabalhando para conseguir o registro de IG da cachaça de Orizona, do cristal de Cristalina e da esmeralda de Campos Verdes. “A instituição ajuda no processo de formalização e trabalha questões como associativismo e cooperativismo, mas atuamos também com apoio de marketing, acesso a mercado, participação em eventos, embalagens e boas práticas”, informa.

Foto: Ênio Tavares

Fonte: Comunicação Sistema Faeg/Senar/Ifag