Brasil subexplora biodiversidade alimentar

Pesquisadores do ISS/Unifesp que participam de projeto da ONU identificam nove frutos brasileiros que fornecem 84 compostos bioativos, incluindo fenóis, carotenoides, antocianinas e iridoides, mas são pouco consumidos no país

Das mais de 50 mil plantas comestíveis disponíveis em todo o mundo, apenas 15 delas, principalmente o arroz, o milho e o trigo, são responsáveis por 90% das demandas de energia dos seres humanos, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês). E o Brasil, que é berço de 18% de toda a biodiversidade vegetal do planeta, ainda possui uma parcela considerável da população que sofre de sérias deficiências nutricionais, obesidade e doenças crônicas.

Um grande projeto nomeado Biodiversidade para Alimentação e Nutrição (Biodiversity for Food and Nutrition), liderado pela ONU Meio Ambiente em parceria com a Biodiversity International, a FAO e os governos do Brasil, Quênia, Sri Lanka e Turquia, prevê, com uma iniciativa global inédita, desenvolver e testar uma abordagem multissetorial que envolva pesquisas, políticas, mercados, conscientização, uso sustentável e integrado da biodiversidade agrícola, entre outras práticas, para melhorar a nutrição mundial.

Um dos vários estudos desenvolvidos pelos pesquisadores brasileiros que participam do projeto avaliou os compostos bioativos – que têm um efeito sobre organismos vivos, tecidos ou células – de nove frutos brasileiros pouco explorados no país: a pitanga (Eugenia uniflora), a cagaita (Eugenia dysenterica), o araçá (Psidium cattleianum), jenipapo (Genipa americana), cambuci (Campomanesia phaea), pequi (Caryocar brasiliense), jabuticaba (Plinia cauliflora), jatobá (Hymenaea courbaril) e mangaba (Hancornia speciosa).

No total, foram identificados 84 compostos bioativos, entre eles compostos fenólicos, carotenoides, antocianinas e iridoides. Os carotenoides e as antocianinas são pigmentos naturais não produzidos em nosso organismo e extremamente importantes na alimentação humana; apresentam diversas funções fisiológicas, atuando no fortalecimento do sistema imunológico; possuem atividade antioxidante e anti-inflamatória.

Os carotenoides são pigmentos responsáveis pela cor amarela, laranja e vermelha de muitos alimentos. Quatro tipos deles (beta-caroteno, alfa-caroteno, gama-caroteno e beta-criptoxantina) são os precursores da vitamina A. Na natureza existem mais de 900 tipos de carotenoides. Já as antocianinas são pigmentos pertencentes ao grupo de flavonoides e responsáveis pelas cores de frutas, flores e folhas que abrangem o vermelho-alaranjado, o vermelho vivo, o roxo e o azul. Sua função na natureza é proteger as flores, frutas e folhas contra os raios ultravioletas (UV) e desativar radicais livres responsáveis pelo envelhecimento e desenvolvimento de doenças crônicas (substâncias tóxicas).

A pesquisa também identificou no jenipapo e no jatobá novos iridoides, que são compostos orgânicos, com sabor amargo, que têm como principal função proteger as plantas contra seus predadores. Além disso, muitos iridoides têm propriedades antimicrobianas e antifúngicas.

De acordo com Veridiana Vera De Rosso, uma das autoras do estudo e docente no Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) – Campus Baixada Santista, nos últimos anos, evidências crescentes têm mostrado que o consumo de frutas e legumes reduz o risco de mortalidade por várias doenças, principalmente as cardiovasculares e os cânceres. “Os resultados das análises mostram o potencial tecnológico e econômico ainda inexplorado da nossa biodiversidade, principalmente para o setor alimentício e farmacêutico”, afirma. “Com políticas públicas adequadas para a agricultura sustentável, podemos melhorar a condição nutricional da população, prevenir doenças e, consequentemente, diminuir a mortalidade”.

Pequi: campeão em carotenoides

Dos 84 compostos encontrados nas nove frutas, 51 são fenólicos, entre flavonoides e ácidos fenólicos, oito são iridoides, 23 carotenoides e duas antocianinas.

O maior teor de carotenoides foi registrado no pequi (10.156,21 mg / 100 g), enquanto o principal conteúdo fenólico – composto estrutural e funcional da matéria orgânica do solo que age como protetor contra pragas e doenças nas plantas – foi encontrado no cambuci (221,70 mg / 100 g). A pitanga e a jabuticaba apresentaram mais antocianinas (respectivamente 81 mg e 45,5 mg / 100 g).

De acordo com ela, o estudo também detectou que a mesma fruta pode ter um conteúdo variado de compostos bioativos quando submetidos a diferentes tipos de cultivo e condições ambientais.

Neste caso, para o estudo, cada fruta foi colhida de três diferentes localizações de dois biomas brasileiros: Mata Atlântica e Cerrado. Como foram obtidas em áreas protegidas do Brasil ou em fazendas familiares, houve necessidade da autorização para coleta do material biológico a partir do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (Sisbio) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Cada amostra consistiu de 3 a 10 kg do fruto, de acordo com o processamento para a retirada da fração comestível para análise. Todas as frutas foram higienizadas para remover possíveis contaminantes e os procedimentos de extração foram realizados apenas com as partes comestíveis das frutas.

Para a identificação dos compostos bioativos foram empregados métodos de espectrometria de massas para elucidação das estruturas após separação por cromatografia líquida de alta eficiência.

Texto: Ana Cristina Cocolo

Fonte: Biodiversity Fruits: Discovering Bioactive Compounds from Underexplored Sources