Jotabasso Entrevista: “O agro vai cada vez mais se tornar feminino”

A participação feminina no agronegócio é crescente e isso é facilmente observado na realidade de grandes corporações como a Bayer do Brasil. Nessa empresa, o crescimento das mulheres em posições de liderança na empresa foi de 11% nos últimos anos, enquanto o dos homens tem sido de 8%, segundo a diretora de Recursos Humanos da organização, Flávia Ramos.

Convidamos a diretora de Políticas Agrícolas e Relacionamento com Stakeholders Brasil na Bayer, Alessandra Fajardo, para uma conversa sobre a realidade cada vez mais feminina do agronegócio brasileiro.

Engenheira Agronôma, Alessandra é a atual presidente do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) e possui cerca de 20 anos de experiência no setor do agronegócio, biotecnologia e marketing já tendo atuado em importantes empresas desse ramo. Na Bayer, foi gerente do mercado de sementes e biotecnologia na divisão agrícola da Bayer e, atualmente, em suas atribuições como diretora, a executiva abrange contatos da Bayer em todo o Brasil.

A Sementes Jotabasso e a Bayer são parceiras há anos nas áreas de licenciamento de sementes de soja, fornecimento de insumos para produção de milho, assim como na concessão de agroquímicos para tratamento industrial.

JB – Desde o início de sua caminhada profissional, quais mudanças você nota nas estruturas de trabalho e na igualdade de direitos entre homens e mulheres? Houve avanços?

Eu sou agrônoma e consigo ver que nesses 20 e poucos anos de carreira que a realidade mudou bastante. Quando comecei, tinha pouca mulher no campo. A barreira de ter mulheres no campo propiciou também a possibilidade de termos uma carreira dentro de corporações. Com o passar dos anos então aconteceram mudanças, sim, abriu-se um leque de oportunidades. Além disso, a partir do momento que passamos a ter mais mulher no campo, essa mulher passou a ter oportunidades de crescer. Claro, se ela quiser e se tiver talento para isso, mas ela também passou a ter outras oportunidades.

Quando entrei na Bayer há quase 10 anos, eu era a única gerente de produtos mulher, mas logo vieram outras e isso cresceu. Não que eu tenha aberto portas, mas hoje vejo muito mais mulheres ocupando cadeiras gerenciais e diretorias sendo lideradas por mulheres, sendo que 9 anos atrás acho que a única mulher diretora era de um cargo mais técnico.

Agora você enxerga mulheres em posições gerenciais e de liderança em diversas áreas, em suply chain, marketing, vendas. Então a mulher permeia muito mais e hoje é possível ver bastante diferença, mudou bastante.

JB – Em sua experiência, como se deu a transposição de obstáculos e o aproveitamento de oportunidades?

Sempre digo que 50% da nossa carreira está na nossa mão e 50% está na mão da empresa. Na minha carreira eu queria fazer negócios, mas não queria ser uma pessoa de vendas, então tive que passar por diversas áreas para me habilitar também e poder ir para o marketing sem ter muita experiência em vendas.

Em qualquer carreira, você tem barreiras normais da função, de pré-requisitos, tem gestores que arriscam e querem te expor para outras funções para que você tenha mais jogo mais de cintura depois, e tem gestores que tem um pouco mais de cainha (fechado, conservador) do que é o ideal para cada cargo. Quando você está na mão de um gestor assim, você acaba se limitando também, a não ser que você use seu 50%, bata o pé e faça acontecer um pouco do que você quer.

Já por ser mulher, o que eu senti no começo é que eu via amigos, colegas de trabalho homens sendo promovidos com uma facilidade maior que minhas colegas e eu, e eu estou comparando pessoas com a mesma formação e capacidades. Isso diminuiu. Hoje, o processo de escolha agora é mais isento, é mais em termos de talento mesmos: “quero um talento para essa função, independe se é homem ou mulher. ”

No passado, a maior parte das minhas colegas que são agrônomas, até antes da minha geração, elas eram da pesquisa, buscaram a academia. Essa é uma área onde eu não me encontro, não é a minha praia. Isso abriu. As empresas, as corporações, o mercado está muito mais aberto buscando talento, não importa a questão do gênero. Há ainda um caminho a trilhar, mas eu sinto uma abertura muito maior.

JB – Há um “perfil ideal” esperado da mulher contemporânea visto como necessário para que ela consiga suprir as exigências do mercado? Como lidar com isso?

Depende da área, da estrutura de onde você trabalha. Existem estruturas que acham normal você poder ter filhos, ter licença maternidade, e voltar ao trabalho e desempenhar suas funções…, mas ainda têm corporações com visão mais antiga em relação a isso.

Para todo profissional sempre tem a ideia do balanço entre vida pessoal e profissional. Você pode ser uma pessoa que trabalha 14 horas por dia, fuma dois maços de cigarro de nervoso e que morra no meio do caminho. As empresas pedem que você tenha um equilíbrio, um balanço entre esses dois: vida profissional e vida pessoal.

Eu acho que no caso da mulher, a carga acaba um pouco maior, o esforço por esse equilíbrio é maior porque ainda tem um lado materno. Então acho que tem que fazer um malabarismo um pouco maior, mas acredito que a gente tem capacidade para isso. A gente sempre fala que a mulher é muito dinâmica, dá conta de várias coisas ao mesmo tempo, mas acho que a gente tem um esforço maior em relação à maternidade por exemplo. Mesmo em uma corporação que enxerga isso, você tem um malabarismo para fazer.

JB – No agronegócio a mulher cada vez mais conquista espaço e destaque profissional. É possível afirmar que o futuro do agro é feminino? 

Com certeza. Quando a gente considera o agronegócio, a gente não está considerando o agrônomo no campo, você considera traders, o jornalista dentro do agro, enfim, vários outros profissionais. O agro vai se tornar cada vez mais feminino, a presença feminina vai ser muito mais marcante. No passado víamos muito situações em que o proprietário de uma fazenda morreu e o negócio ficava para o pai, para um irmão, para um tio.

Hoje você vê mulheres assumindo a propriedade, esposas, filhas tocando a propriedade porque gosta do agro, tem prazer de trabalhar e tem a capacidade de gestão para fazer, mesmo sem tanto preparo.

Eu conversei certa vez com um produtor que estava assumindo um cargo em uma associação e então a mulher foi fazer agronomia para poder assumir o cuidado das fazendas da família. Hoje você tem uma participação crescente a esposa na propriedade, uma divisão de tarefas, que antes era pensada mais no homem. Você tem representes mulher rodando Brasil a fora, você tem operadoras de trades, operadoras de grãos… acho que a mulher no agro demorou um pouco mais, mas está cumprindo a missão, conquistando seu espaço.

Esse é um mercado também em que as grandes empresas acabam funcionando como um espelho para seus clientes também. Isso acaba influenciando e, de repente, quebrando paradigmas.

JB – E quais características femininas se destacam no mercado e que acabam gerando benefícios ao agronegócio?

Parceria. As mulheres são capazes de estabelecer parcerias que vão trazer benefícios para os negócios delas de uma forma mais incisiva que o homem. O homem é mais centralizador nesse sentido, no “eu vou tocar”, “eu vou fazer”. Já a mulher, ao estabelecer parcerias, traz benefícios e vantagens que antes não estavam tão aos olhos dos homens. Então, o resumo em uma palavra seria parceria, essa capacidade de conversar, capacidade de fazer relacionamentos, isso ajuda nos negócios.

JB – Para as mulheres que estão começando a carreira no agronegócio, o que você pode compartilhar de ensinamento para que elas prossigam?

Primeiro, você tem que fazer o que você gosta, em seguida, de ir atrás e ter resiliência e persistência. O caminho não é fácil, crescer não é fácil, se diferenciar para alcançar uma posição mais alta não é fácil, é uma busca diária… mas persistir no que você quer vale a pena. E criar. Busque sempre criar oportunidades para mostrar seu trabalho, para se diferenciar. Quando você tiver uma ideia, é onde você consegue se sobressair, vale a pensa investir em você e persistir.

Fonte: Sementes Jotabasso